coletivogeni.wordpress.com/2013/06/12/d... Esta é uma carta denúncia de uma situação de violência machista. Uma carta-denúncia é um documento político que tem o objetivo de, expondo um caso específico, transpassar as violências cotidianas e pessoais para o nível social e coletivo porque sabemos que não se trata de um caso isolado, mas sim de uma estrutura de dominação recorrente. A denúncia pública é uma atitude importante, apesar da exposição e do aspecto doloroso que envolve, na medida em que um caso particular pode ser tomado com geral, como representativo de valores, instituindo assim uma dimensão ética na sua discussão pelo coletivo. Alguns fatos, ainda que jamais devessem ter ocorrido, já que ocorreram, precisam ser também ainda narrados. A narrativa sublinha e fortalece o seu significado e realidade social. Trata-se também aqui de um instrumento de auto-defesa que demonstra solidariedade de gênero e afirma que não estamos dispostas a ser cúmplices do patriarcado em nossas vidas, relações, movimentos e espaços. O fato denunciado diz respeito à violência antes de tudo simbólica, nos termos usados pelo próprio agressor em uma de suas muitas ameaças que antecederam uma das agressões que o militante Orlando Gabriel da Costa realizou contra sua ex-companheira, professora, mãe e anarquista, no início desse ano, quando foi a sua casa e a agrediu fisicamente na frente de sua filha, em seguida destruindo seus livros (agressão física seguida de agressão simbólica). Livros que são seus instrumentos de trabalho e símbolo de sua independência intelectual e financeira. Convém ressaltar que a agressão foi a culminação de uma relação abusiva e possessiva, marcada pela tentativa de controle da liberdade e sexualidade feminina. Pelo fato desse militante ter cometido e continuar a cometer diversas violações de gênero como o abuso psicológico contínuo com ameaças, xingamentos e depreciações, irresponsabilidade política, controle, agressão física e simbólica, e por entendermos tais atitudes e posicionamentos como inadmissíveis para qualquer pessoa, sobretudo aquelas supostamente comprometidas com a construção de uma sociedade igualitária e livre de dominação, estamos denunciando o caso publicamente. Uma das motivações para o surgimento do coletivo, que escreve esse documento, foi justamente promover debates e ações tendo em vista a opressão de gênero que ocorre nos meios de militância. Somos todas ativistas, convivemos e nos relacionamos com outrxs ativistas, e percebemos que nesse meio há um consenso tácito e equivocado de que ninguém nesses espaços reproduz relações opressivas de gênero. Essa suposição a priori de que sendo militantes estamos livres de reproduzir relações opressivas não só é ingênua como estimula a contínua reprodução dessa violência. Um exemplo claro disso, foi a mais recente agressão que Orlando cometeu, no dia 30 de maio. Ao ver a sua ex-companheira em um show, ele avançou para cima dela, ao ser impedido de agredi-la fisicamente por outras pessoas, fez ameaças verbais contra a sua vida e mandou uma mensagem de celular ameaçando: “espera”. Não só a ex-companheira dele, mas diversas pessoas presentes se levantaram contra a agressão cometida por esse militante e afirmaram que o mesmo deveria se retirar imediatamente do local. Após esses atos, o mesmo agressor, e também André Fernandes que o acompanhava, foram violentos com todxs e afirmaram que Orlando não sairia e que seus atos não foram de agressão. Ao ser confrontado, Orlando negou não só as agressões anteriores, como também a agressão que havia acabado de cometer na frente das mesmas pessoas que o interpelavam. E chegou a dizer: “Não vou sair dessa história como um machista”. A recusa em assumir a violência que vem cometendo contra sua ex-companheira tem várias faces cruéis, uma delas é difamar e culpabilizar a vítima (dizer que ela está mentindo, ou que quer chamar atenção para si, entre outros argumentos machistas pífios e recorrentes). Outra é a naturalização da violência contra a mulher, que faz com que os homens que o fazem muitas vezes não vejam seus atos como agressão, mas como uma expressão de um direito que possuem sobre os corpos e vidas das mulheres. A última face cruel é concernente aos meios de militância: para não se identificarem como opressores em alguma relação, homens militantes se agarram a seus privilégios e continuam a violentar e oprimir as mulheres, alegando, no plano do discurso, que não “são machistas”.É fundamental o posicionamento claro e uma tomada de responsabilidade e atitude tanto individual quanto coletiva, pois uma suposta imparcialidade diante de qualquer situação machista não é apenas impossível, mas se traduz como conivência velada e cumplicidade com a opressão. Além disso, repudiamos como nocivo toda tentativa de justificar ou amenizar o ocorrido tendo em vista os problemas psiquiátricos de depressão sofridos pelo militante em questão. Isso é particularmente perigoso porque sempre que ocorre uma agressão de gênero, há um discurso de vitimização do agressor e culpabilização da vítima. Isso obscurece o que realmente está em questão no caso, pois pretende retirar a responsabilidade do envolvido por seus próprios atos. Uma consequência do reconhecimento de um paciente psiquiátrico como sujeito, reconhecimento pelo qual se lutou e ainda se luta, desde a reforma psiquiátrica e contra a internação compulsória, tem como consequência que o sujeito permaneça responsável pelas suas ações. Não é possível justificar que alguém cometeu uma agressão simplesmente porque é doente. Não é a vítima a responsável pelas consequências danosas que um ato de agressão pode gerar para o seu responsável no meio social no qual ele se insere. Não é a vítima que destrói a vida daquele que a agride por reagir, resistir e impedir que a sua própria vida seja destruída. É preciso combater o discurso misógino que coloca a mulher sempre como vilã, responsável pelos malefícios decorrentes das escolhas e atitudes de outro, ainda que por ocasião de sua própria autodefesa. Além disso, muitas são as pessoas que sofrem de depressão, e não apenas nem todas cometem agressões, como isso necessariamente não as retira da condição humana. Sendo assim, sabendo que o militante em questão tem se utilizado da sua condição psicológica como forma de chantagem emocional para se retirar da responsabilidade por seus atos e naturalizar a agressão por ele cometida, o Coletivo Geni ressalta que não assume qualquer culpabilidade por algum suposto surto que ele possa alegar em decorrência das consequências públicas de suas próprias atitudes após a divulgação desta carta. É importante ainda frisar o caráter histórico, social e estrutural da dominação masculina que são reproduzidas nas agressões. Em uma sociedade machista, existem papéis e comportamentos históricos e socialmente fixados para homens e mulheres, estas últimas sendo relegadas a posições de submissão. Assim, é uma responsabilidade dos homens reconhecerem e tomarem atitude quanto a seus privilégios, as estruturas (desde o Estado e o Capital, até a mídia, a ‘moralidade’ e as instituições…) que não só legitimam, mas encorajam a agressão, a inferiorização e as violações machistas. Mexeu com uma mexeu com todas! “Nenhuma agressão ficará sem resposta” Coletivo Geni |
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