a falácia neoliberal da idéia de "vertentes" feministas

feminismo radical não é vertente

“A tendência geral dos argumentos nesse livro é a de que o feminismo radical não é uma forma de feminismo entre outros, mas simplesmente feminismo “não modificado” (MacKinnon, 1987: 16), e de que a prática comum de qualificar o feminismo com qualquer das variedades de enquadramentos pré-existentes serve para dissimular o significado central do feminismo. Nos 1970s, esses enquadramentos tendiam a ser resumidos sob os títulos de “feminismo liberal”, “feminismo socialista” e “feminismo radical”; subsequentemente, eles se multiplicaram em uma pletora de “feminismos” que desafiam enumeração. Mas tal caracterização disfarça as relações de poder envolvidas. O que tem acontecido não é uma luta sobre o significado do feminismo entre competidores igualados, mas um fluxo de ataques alimentados por lealdades a variedades do pensamento malestream, contra o que é rotulado como “feminismo radical”. Essa rotulagem serve ao propósito ideológico de abrir espaço no interior do feminismo para outros “feminismos”, deste modo proporcionando uma plataforma para atacá-lo a partir de dentro.”

materialfeminista.milharal.org/2013/05/21/traducao-introducao-de-radical-feminism-today

Essa coisa de ‘feminismos’ assim como os ‘mil gêneros’ das políticas identitárias, é uma estratégia bastante pós-moderna e neoliberal de distorcer a essência básica do feminismo. Não que não possa haver um feminismo lésbico ou um feminismo negro, feminismo indígena… mas isso não são ‘vertentes’, são organizações das especificidades dentro do próprio movimento de mulheres.

Já quanto a feminismo interseccional, queer etc eu acredito que sejam distorções grosseiras do feminismo propositalmente realizadas pelo patriarcado, a isso chama-se ‘feminismo liberal’, que é a versão patriarcal de feminismo aceitável e superficial, individualista, promovido pelo Patriarcado, pelas mídias, onde de repente prostituição e objetificação se torna empoderamento, o feminsimo que vai passar na globo, que vai ser aceitável pelos homens… por ser uma falsa libertação. Onde todos problemas são os ‘privilégios’ e as mil discriminações e opressões, onde esses conceitos se tornam relativizados.

Dizer que algo é ‘liberal’ não é reconhecer uma vertente. Quando dizemos que aquele é um ‘feminismo liberal’, isso se trata mais de um diagnóstico, uma análise crítica sobre o discurso de liberalismo apresentado como feminismo.

Já feminismo marxista/socialista e feminismo anarquista, são os feminismos produzidos justamente pelos partidos políticos e organizações mistas classistas (isso se o próprio anarquismo não se encontra distorcido também como por exemplo anarcoqueer que parece liberalismo apresentado como anarquismo) que consideram que a luta de classe é suficiente para acabar com Patriarcado. Neles a luta anti Capital ou Anti Estado está como prioridade mais que o ataque ao Patriarcado que não é visto como sistema estrutural de exploração tal qual o Capitalismo, mas sim como uma questão “cultural”.

Acredito que o feminismo de segunda onda, que chamamos de radical, ele foi revolucionário e instaurou feminismo enquanto tal, enquanto pensamento e teoria própria das mulheres, ao criar suas próprias ferramentas conceituais, estabelecer Patriarcado e gênero como opressão estrutural que não se esvazia na luta anti-Capital, e instaurou a autonomia política do movimento de mulheres. Nele foram produzidas as éticas básicas do feminismo, e nele foram desenvolvidas teorias a partir das mulheres negras, lésbicas, pobres…

Mas aí que entendo que se trata justamente de um continumm do feminismo, e não de “vertentes” ou feminismos múltiplos.

Nós utilizamos a palavra Radical quando precisamos re-afirmar o significado justamente radical, essencial, de feminismo. Quando o significado de feminismo se torna perdido, precisamos nos declarar radicais para dizer de onde partimos, de que tradição de pensamento. Justamente a radical, originária e profunda. A “inalterada” (Mackinnon).

O nome “feminismo” é suficiente quando temos claro o significado dele, quando este não é distorcido por empreitadas patriarcais.

Feminismo radical não é vertente. Feminismo radical é feminismo.

 

Uma amiga me falou que a idéia de ‘vertente’ é usada quando há uma escola e surgem linhas de pensamento diferentes entre si entre grupos. Ou seja, pensadores que tem as mesmas perguntas e divergem em respostas e análises. Mas essa mesma amiga (que aliás tá por aqui) disse que é útil entender que quando se fala de um feminismo indígena, um feminismo descolonial, um feminismo negro, um feminismo periférico, que se tratam de focos distintos dentro do movimento. Essas mulheres em suas diferenças vão versar sobre peculiaridades (costumo pensar em especificidade) de um grupo de pertença.

E acabam que eles se usam mutuamente como base e pontos de discussão. Essas análises enriquecem e tornam a luta mais completa, contemplando todas mulheres em suas diferenças.

(existia outra noção de política de identidade que é encontrável no texto manifesto do rio combahee river, mas creio que esse conceito se perdeu e a política de identidades se tornou liberal e despolitizada, capturada pelo individualismo e pós-modernismo).

Eu vejo como auto-organizações legítimas dentro do movimento, pois somente um oprimido pode ser protagonista de sua libertação, por isso a necessidade de lésbicas falarem e se organizarem a partir de si, assim como negras, indígenas, imigrantes, refugiadas, etc.

Mas vejo que o feminismo se reduz a uma ética comum entre todas, que é a questão da misoginia, machismo, dominação masculina…. nessas éticas que acho que o feminismo radical se foca…

Como essa amiga disse, o feminismo não responde a questão de como fazer uma revolução social. O feminismo não pode ter respostas para tudo.
Por isso existe uma luta anti capital, anti racismo, anti sexismo, anti especismo, ecologista/anti civilização, anti xenofobia, anti heterossexismo….

O feminismo radical dizia respeito a não reformar a supremacia masculina, mas termina que ao falar de soluções estruturais, muitas vezes as respostas que dão são reformas.
Uma pessoa uma vez disse, ‘feminisimo radical é anti-reformismo, mas não é contra reformas’. Querer e demandar reformas mas de forma crítica é uma postura que sempre achei típica de trotkismo, e acho que se deve à influência de marxismo e leninismo no feminismo radical.

“Radfem maior parte das vezes falta uma parte de transformação social e aí a ‘solucao’ se torna liberal”.
“O feminismo por si só não descreve uma revolução social. Precisa se juntar ainda a luta de classes e a luta anti-racista. Dessa soma é que sai a coisa. O feminismo se foca na parte de opressão por sexo” (fala da amiga)

Intersec não é vertente e sim ferramenta de análise.

Qualquer feminismo é interseccional no momento que faz análise de entrecruzamento de opressões. O problema é que conseguiram deturpar enormemente esse conceito que nem vale a pena mais usar ele assim como o conceito de “gênero”.

Análise de sujeitos em sua individualidade (privilege checking) não é politica. No momento em que interseccionalidade se tornou liberal, transformou feminismo em terapia de grupo.

 
 

“apesar que não se fala explicitamente o que define “feminismo”, então qualquer coisa ligada a mulheres é “feminista”.”
Se tivesse ainda nisso, coisas ligadas a mulheres, acho que ainda estaria mais coerente do que um cenário onde qualquer coisa é feminismo, nem somente algo ligado à mulheres, mas pode estar ligado a homens, a trans… O projeto queer visa inclusive destruir o conceito de mulher em si, é quase como se não pudesse falar mais essa palavra.

A minha crítica e negação da idéia de ‘vertentes’ é de que isso se trata mais de uma forma de distorcer e relativizar o significado de feminismo em ‘multiplos feminismos’, dentro duma tendência pós-moderna, do que honestamente abordar os ‘desdobramentos desse pensamento’ como vc colocou. Não vejo desdobramento onde você tem um feminismo que fala que prostituição é abuso de homens e outro que fala que é empoderamento das mulheres, um que fala em aceitação dos nossos corpos como são e outro que fala que é ok consumir hormônios masculinos que vão abreviar sua expectativa de vida e sua saúde para deixar de ter o corpo que tem por ser um corpo de mulher.

Se existe uma base sólida, principalmente no sentido de éticas básicas, do que é feminismo entre todas correntes de pensamento que derivariam dele, acho saudável que ocorram desdobramentos. O que vejo ocorrer é um backlash escondido sob o manto de desdobramentos de feminismo.

Entendo que correntes podem ser escolhas, não vou dizer que tudo produzido desde teoria queer seja ruim, nem defendo que o significado de feminismo se torne um dogma. Mas acredito que não se trata somente de escolhas epistemológicas, acredito que essas escolhas e epistemologias se encontram fortemente influenciadas por ideologias, umas mais patriarcais que outras.

 
   

recomendo a leitura destes, aliás necessitam tradução, seria uma grande contribuição tê-los traduzidos:

Fragmented Feminisms de Susan Hawthorne

The Despolitization of Lesbian Culture, Susan Hawthorne