É conveniente para os homens definirem feminismo como ‘libertação sexual’. Em algumas bibliotecas anarquistas por exemplo que eu visitei, a parte de feminismo se reduzia a poucos fanzines com temas como “masturbação feminina”, “parto orgásmico”, “educação/maternidade libertária” (afinal temos que ser cuidadoras e mães), “ginecologia natural” (a fonte dos problemas ginecológicos das mulheres é a sexualidade masculina), “liberdade sexual”, além de teoria queer. Emfim: coisas que convém aos homens e não deixam mulheres irem muito longe na ‘libertação’ delas.
Vi recentemente em um site meio anarca um ‘Guia de masturbação para meninas". Me pergunto, pra que vamos querer ou considerar feminismo que uma menina aprenda a se masturbar, qual é o ponto real disso? Sem nos questionarmos sobre os conteúdos de sua sexualidade, o que a constrói e coloniza, o contexto em que ela vive, como ela vai lidar com seus sentimentos sexuais e será auto-defesa para isso, e quais repertórios patriarcais de sexualidade nos foram transmitidos e nos “excitam”, como o poder, dominação, violência, masoquismo e degradação? Numa cultura que ensina mulheres que o que as torna válidas na sociedade é que sejam ’desejadas’ e objetos, isso me soa mais como um guia de como ser uma boa escrava no Patriarcado.
Quê grande libertação vai ser pra as menina incitar elas a sexualidade numa cultura que já suficientemente as incita a sexualização, sem ensinar elas a se cuidarem, a saberem sequer que elas tem direito a dizer NÃO para o sexo? A cultura de libertação sexual é do interesse dos homens, e ela jamais ’empodera’ mulheres para poder dizer NÃO ao sexo sem que pareçam retrógradas, reprimidas ou moralistas, pouco libertas. A cultura de libertação sexual feminina é uma campanha masculina de construir o consentimento das mulheres para o acesso de homens aos seus corpos. A cultura de libertação sexual objetifica e heterossexualiza as mulheres e meninas, iludindo elas de que isso é libertar-se.
Pra quê incitar uma menina a se masturbar? Em que nos liberta nos masturbarmos com cenas de sexo hetero televisivo, pornografia do pai ou irmão, com a música funk misógina, com contos românticos que retratam homens como príncipes que não são? Pra que queremos masturbação se não mudamos radicalmente a forma em que somos erotizadas para “gozarmos” em sermos a casta degradada?
Pra quê preparar meninas para querer a sexualidade com alguém se elas não tem nem preparo para isso nem agência, nem empoderamento para ter seus limites respeitados? O esforço de libertar sexualmente mulheres e meninas não é o mesmo para ensiná-las consentimento e que não devem ser tocadas sem que desejem, que podem rejeitar sexo.
E daí de se masturbar a menina vai passar a querer realmente praticar sexo, a menina vai ter uns 13 anos e vai estar vulnerável à homens de 20, 26, 30 que a sexualizem, como vemos ocorrendo? A libertação sexual é uma coisa que o sistema já estimula. Pra que libertação sexual? Pra praticar heterosexo compulsivo e colaborar com a dominação masculina?
Em quê masturbação é algo que vai nos libertar seriamente da dominação masculina? É aí que acaba nossa libertação? Em aprendermos a ’gozar’ com nossos opressores? Em que isso REALMENTE vai nos livrar dos danos que homens causam às mulheres, em especial a sexualidade patriarcal que eles exercem contra estas? Prostituição, pornografia, sadomasoquismo, objetificação?
Em que libertação sexual nos dá poder enquanto classe mulher?