Hortas urbanas produzem de couve a feijão a poucos metros do asfalto
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GUSTAVO SIMON
DE SÃO PAULO
THIAGO MATTOS
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Seu Inácio Neres, 68, sai de casa, atravessa a rua e abre o portão baixo, improvisado com uma tela. No chão argiloso, cortado por dez canteiros cobertos por terra fofa, ele ergue o tecido que os protege e passa a meia hora seguinte regando mudas de alface, couve, coentro, pimenta…
Pés de alface crescem na horta da Vila Pompeia, na zona oeste
A cena parece descrever o cotidiano de uma cidade do interior, mas
acontece toda manhã na Vila Nova Esperança, no limite de São Paulo
com Taboão da Serra. E não é de todo estranha à metrópole.
Seu Inácio tem a companhia de gente que faz o mesmo na Pompeia,
na Vila Beatriz, na Vila Industrial e até na avenida Paulista com a rua da Consolação.
Muitas regiões da cidade viram, nos últimos meses, moradores saírem
de casa e tomarem para si praças e terrenos ociosos (alguns abandonados,
outros da prefeitura) erguendo hortas comunitárias, nas quais qualquer
um pode pôr a mão na terra.
É só chegar e ajudar a plantar. Ou colher e levar para casa -gratuitamente,
sem preços inflacionados (como o caso recente do tomate).
De setembro do ano passado até hoje, seis espaços assim foram
criados -quatro neste ano. Mais quatro devem ser inaugurados nos
próximos meses: no Butantã, em Brasilândia, na Faculdade de Medicina
da USP (em Pinheiros) e no Centro Cultural São Paulo (na Liberdade).
HORTAS ABERTAS
Perto do encontro da avenida Paulista com a rua da Consolação, um canteiro
de 30 m2 quase não chama a atenção de quem circula por ali. Mas quem se
detém e observa melhor percebe que o pequeno verde no meio do concreto
guarda pés de alface, manjericão e até café.
A chamada praça do Ciclista, ponto de encontro de cicloativistas, passou a
receber o cultivo de hortaliças em outubro passado. A rega é feita todas as
tardes por seis voluntários, que se revezam na manutenção da horta, sem
cercas protetoras, rodeada por vias entre as mais movimentadas da cidade.
Ainda assim, plantas sem viço e uma sujeira aqui e ali podem dar a
impressão de certo ar de abandono.
Na horta do BNH, na Vila Madalena, as plantas são espalhadas por pontos
dispersos na praça. A ausência de cercas permite que cachorros transitem
por ali, livremente. O mesmo se observa na horta da Nascente, na Pompeia.
Além de receber ajuda em mutirões semanais, os voluntários fazem parte de
um grupo que cuida de outras hortas comunitárias na cidade, os Hortelões Urbanos.
O grupo se formou pouco antes da criação da horta das Corujas, que
ocupa 800 m2 da praça Dolores Ibarruri, na Vila Beatriz. Isolado do
conglomerado urbano por árvores, o espaço é o mais bem organizado
desse movimento.
Seus organizadores estão entre os poucos que estabeleceram um acordo,
ainda que informal, com a subprefeitura e mantêm diálogo aberto com o poder público.
As demais hortas visitadas pela reportagem ainda não haviam
estabelecido acordos com a prefeitura.
Antes de começar a plantar, os voluntários da horta das Corujas
bancaram análises do solo e da água. E um documento define
diretrizes para a manutenção.
Os canteiros foram protegidos por uma cerca baixa, para evitar a
circulação de animais -mas sem cadeado, para que os interessados
circulem livremente.
A voluntária Claudia Visoni cuida da horta das Corujas
Uma placa informa regras como a proibição do cultivo de árvores frutíferas
(propícias para a formação de arbustos) e as datas de mutirões.
O que é cultivado ali vai para a mesa de muita gente do bairro.
“Nunca tinha comido um feijão que eu tinha plantado. Sentei para
debulhar com a minha filha e foi muito gostoso”, conta a jornalista
Claudia Visoni, 47, uma das envolvidas na iniciativa.
A colheita não tem regras definidas, mas o dia a dia desses espaços
leva a sério a ideia de comunitário.
Ainda que utensílios, mudas e adubo cheguem às vezes por meio
de doações, são os próprios voluntários que se mobilizam para conseguir os materiais.
Além de produzir alimentos, essas hortas podem ter outros usos.
Na da Vila Anglo, na Pompeia, os organizadores promovem oficinas
de educação ambiental com crianças do bairro.
A COLHEITA É LIVRE
Em geral, a colheita nas hortas comunitárias de São Paulo é livre.
Qualquer pessoa que encontrar algo maduro pode pegar, independentemente
de ter colaborado com o cultivo, e sem restrições de quantidade.
Na maior parte das vezes, também não há data específica para a colheita.
Nem mesmo os mutirões se concentram nessa etapa -priorizam a manutenção do espaço.
Em outros casos, porém, uma pessoa fica encarregada de recolher a safra e dividi-la.
Na horta da Vila Nova Esperança, a líder comunitária Lia de Souza distribui
as hortaliças entre as famílias interessadas. O mesmo acontece no espaço
da Vila Industrial, onde os responsáveis centralizam a distribuição.