1º parte do Dojo Kun da Kyokushin: “Treinaremos firmemente nosso coração e nosso corpo, para termos um espírito inabalável” A primeira pergunta seria: “Por que apenas 5 pessoas completaram as duas voltas de quadrupedia? Sendo que das 5, só duas eram da PKABC?” Tenho muitas reflexões a compartilhar, e elas são centrais para explicar o meu descontentamento com o que as vezes acontece na PKABC. Como eu havia dito numa discussão no facebook: uma metodologia de treino exige uma compreensão um tanto clara sobre o que é o parkour. Tenho lido muito para ter materiais para o site, e me deparei com textos extremamente aprofundados mas que a galera em geral simplesmente ignora ou finge que não leu. Alguns deles já foram até traduzidos: Mas o que tenho a dizer talvez seja mais direto: as pessoas desistiram da quadrupedia e das 50 repetições de precisão no banquinho (que a maioria fez meia boca pra chegar no número 50 logo) por acharem que tudo aí fora está garantido e tranquilo. Os empregos estão bombando, todo mundo tem acesso a carcarécos inúteis (celulares que fazem de tudo, e video games que distraem de tudo). Alguns até falam coisas contra o sistema, mas sabe quantos deles vão realmente sem empenhar pra fazer uma mudança? Mudança necessita de algo forte, de uma busca de conhecimentos “escondidos”, de espírito forte e determinação contínua. Sabe o que é isso? As duas voltas de quadrupedia e as 50 repetições de precisão são os exercícios que trarão mudanças para as nossas vidas … o resto depende disso pra ter utilidade. Acho engraçado que a galera fala de treinar movimentos úteis, mas esquecem que antes de tudo você deve estar mentalmente apto pra executar qualquer movimento. E como estar mentalmente apto numa situação de perigo? Como treinar para isso? Vou contar um história do universo do karate pra exemplificar. O Karate Kyokushin possui muitas similaridades com o parkour. Este estilo de karate ficou conhecido mundialmente como “The Strongest Karate Style” (o estilo de karate mais forte). Conseguiu esta fama por dois motivos: treinos infernais e kumite (luta) de contato sem proteções que colocam a prova os movimentos úteis. Mestre Oyama (criador do estilo) introduziu o conceito de Kihon ao karate, um treino básico realizado parado com 20 repetições de cada um dos 33 movimentos de braços e pernas mais 100 repetições dos chutes Mae Gueri e Jodan Mawashi Gueri. No total são 860 repetições de movimentos básicos em posições difíceis de se executar o movimento e todos os golpes são feitos com Kiai (o tal grito do karate). Como um estilo de karate que preza pela real utilização de golpes pode ter como base de treino a repetição de movimentos que em sua maioria não possuem utilidade direta numa “luta”? Um rapaz treinava kyokushin desde criança e quando chegou na fase de adolescente resolveu que participaria de campeonatos. Desde criança treinou com um dos melhores mestres da kyokushin, técnicamente ele dominava todos os movimentos do estilo com grande eficiência, chutava extremamente alto e forte … tinha uma técnica de luta impecável. O rapaz de grandes qualidade técnicas entrou em seu primeiro campeonato … temido por todos, perdeu a primeira luta contra um outro rapaz de qualidades técnicas muito inferiores. Chorou … não conseguiu aplicar aboslutamente nada de suas técnicas. O mestre disse que ele tinha técnica, mas não tinha espírito … precisava treinar kihon! Não fazia sentido pra ele, treinar kihon?? Ela já dominava todas as técnicas, porque deveria treinar kihon? Longas quadrupedias e repetições firmes são o kihon do parkour. Os traceur que acham isso besteira, na minha opinião são os que acham que o mundo está ganho e está bom do jeito que está. Quem quer trazer mudanças drásticas para o seu entorno e para a sua própria vida, treina kihon! Fiquei muito feliz ao ver que dos outros 4 que completaram as duas voltas de quadrupedia, 2 eram do Ativismo ABC. Cansei de ver gente chegando na Casa da Lagartixa Preta falando que era contra o sistema, mas na hora de pegar na enxada por horas para um trabalho mais pesado questionava se não seria melhor utilizar algo mais tecnológico que evitasse o desgaste físico ou se não seria melhor chamar um especialista para fazer o trabalho. O universo urbano e do “conforto” arrancou os treinos diário de kihon da kyokushin, pois as academias que costumavam estar cheias hoje estão quase vazias … o kihon tem que ser deixado para segundo plano, aí os alunos aparecem e “treinam”. O kihon completo é feito esporádicamente agora. Temos alunos, mas será que temos karate? Temos praticantes de parkour, mas será que temos traceurs? Sou extremamente novo no parkour, estou longe de fazer qualquer movimento decente … ainda peno para fazer uma precisão no plano sem sobrecarregas as costas. Meus valts são cheios de limitações e medo. Mas sei que o meu aproveitamento das técnicas sempre dependerá de um treino forte de base e repetições … para ser útil, você primeiramente deve estar mentalmente apto. “Será que a gente precisa mesmo fazer tudo isso de repetição? Só tem um iniciante aqui, não seria mais produtivo fazer algo mais avançado?” Vocês tem ideia do que é um treino para faixas pretas da kyokushin? É um treino que te traz próximo da morte. Tu passa a questionar se não vai desmaiar e morrer ali mesmo. Não tem piruetas, movimentos plásticos e grandes feitos … são repetições infinitas de movimentos básicos ou medianos. Se tiver movimentos avançados, tu vai executar eles apenas para chegar perto da exaustão completa. Vai tirar foto pra você ver, só sai maluco com cara de que está no inferno prestes a morrer … não sai uma foto bonitinha de técnica linda. Se tiver luta, é a mesma coisa … até arrebentar. Isso é treino avançado. Fazer mil chutes, isso é treino avançado. Existe treino técnico, mas é secundário. É importante, mas é secundário. Tem que existir, mas é secundário. É indispensável, mas é secundário. Enfim galera, treino parkour porque quero experimentar o mundo de outra forma, me movimentar de outra forma para tentar mudar o universo a minha volta de outras formas que ainda não experimentei. É uma fonte nova de diálogo com as pessoas, um diálogo rico que pode trazer mudanças sociais profundas. É uma outra arte marcial. Chegar, fazer um alongamento meia boca e sair fazendo coisas grandinhas por conta própria e bater palma quando o outro conseguir passar um obstáculo … NÃO É TREINO! Podem chamar do que quiser, mas não é treino. Alongamento e Kihon, todos fazem juntos! Os faixas brancas talvez não consigam fazer todas as repetições, não tem problema … quanto mais graduado, mais são responsáveis por um kihon forte. O kiai é coletivo, um kihon forte dá pra ouvir do outro lado do quarteirão. Tu acha que vai morrer, mas quando acaba … tu se sente inabalável, o coletivo todo se sente inabalável. Alguns de vocês, com alguma “graduação” dentro do parkour, pararam o “kihon” na metade e puxaram quase todos juntos. Fazia tempo que eu não ficava tão decepcionado com algo, fiquei tão triste que fiquei puto … a vontade que eu tive era de ir embora. O treinão não foi de todo ruim, o flow que o Tek puxou foi massa por ter parte de força intercalado. Os iniciantes chegaram na metade e quebraram o treino no meio também. Existem milhares de coisas a serem acertadas. Enfim galera, já faz um tempo que deixei de guardar ressentimentos e isso fez um bem enorme à minha saúde. Então vejam este texto como um desabafo, uma reflexão e uma semi proposta de metodologia de treino. Temos que conversar mais sobre parkour. Ler textos coletivamente e acertar o esquema de treinos. |
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Senti a força e a vontade de mudança neste texto. Acredito que todas as críticas e sugestões são extremamente bem-vindas. |
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é nóis! |
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