Nas últimas semanas, esperança parece ser a única coisa sobre que se fala, é importante não deixar isso passar batido.
Poucas de nós vivenciaram momentos como este, e é difícil prever, mas podemos presumir que o mundo a que voltaremos não será o mesmo de antes da COVID-19. Posso presumir que o antigo status quo está morto. E um novo ocupará o seu lugar.
Tenho esperança de que o novo status quo seja melhor. Que seja construído de comunidades resilientes e interconectadas. Vamos ter esperança de que seja mais gentil. Que os horrores que o capitalismo expôs vivam apenas nos livros de história. Que fiquem claro para todo mundo os horrores das soluções para a crise baseadas na polícia e no sistema judiciário e que eles se tornem notas de rodapé sombrias na história. Tenho esperança de que nos lembraremos do apoio mútuo. De que no novo status quo nos lembraremos de que podemos apenas… cuidar umas das outras.
Essas são minhas esperanças. Pode ser pedir demais, mas acho que é possível. Vou dar o meu melhor pra fazer isso acontecer, e espero que você também. Se eu não achasse que isso é possível, se eu não tivesse esperança, eu não saberia o que fazer.
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Há quem fale mal da esperança. Há principalmente duas críticas diferentes contra a esperança. A primeira é a ideia de que a esperança é algo passivo. Que esperança seria sobre pensar que alguém ou alguma coisa salvaria você, que esperança seria sobre abandonar o seu poder de ação e confiar em algo externo – como esperar que “as massas” façam uma revolução, ou que a eleição vai ter o resultado que você espera, ou de que cientistas possam curar uma doença específica.
Em sua base, essa crítica defende que a gente ativamente tome controle sobre nossas vidas. Ela quer nos lembrar que “as pessoas que nós estávamos esperando eram nós mesmas”. Uma vez que é verdade que ninguém está vindo nos salvar, uma vez que nós mesmas temos que resolver os problemas, eu concordo com essa crítica.
O outro argumento contra a esperança vem de um posição mais niilista. A ideia é de que tentar criar um mundo melhor não era necessário para lutar contra os horrores do mundo existente. Ao abandonar a esperança, ao aceitar que estamos condenadas não importa o caminho que sigamos, nós finalmente poderemos ser livres. Podemos não vencer, mas foda-se, nós vamos embora felizes pois é uma forma melhor de viver e uma forma melhor de morrer.
Ambos argumentos tinham mais apelo para mim numa época em que a tempestade da ascensão do fascismo e do aumento das temperaturas globais ainda estava no horizonte. Não quero pintar uma imagem falsa do mundo no começo deste século, pois ele sempre esteve cheio de horrores, mas acho que é razoável dizer que pra mim e para as pessoas que provavelmente lerão isto, as coisas estão piores agora. O nacionalismo está mais entranhado em mais países. As mudanças climáticas não estão mais no horizonte, estão aqui. E é claro, há uma pandemia. É impossível, não importa o quanto eu tente em qualquer dia, esquecer as baixas desta pandemia.
O mundo está pior agora, do que estava antes. Para onde eu me volto? Me volto para a esperança.
O oposto de “esperança” não é “retomar nosso poder de ação” ou “determinação obstinada”. O oposto de esperança é desespero. Desespero, num momento como este, vai literalmente nos matar. Nossa saúde mental e física está sob ataque neste momento, e a moral é metade da batalha. Precisamos de esperança.
O primeiro argumento contra a esperança é simplesmente um argumento de semântica. Escritoras e teóricos precisam definir os termos para serem compreendidos. Ou eles se agarram e redefinem a terminologia existente ou inventam novos termos. Eu acho que confundir o que pode ser compreendido como “esperança passiva” com a “esperança” mais ampla foi provavelmente um erro.
Alguém pode dizer “se você tem fome, você não espera que vai conseguir comida. Você levanta o seu traseiro e vai atrás de comida.” Eu defendo que se levantar do seu traseiro para ir atrás de comida é, ainda, uma ação predicada na esperança. Se tenho fome, eu tenho esperança de que quando for buscar comida, vou ter êxito. Esse é um tipo ativo de esperança.
Mesmo assim, eu também não vou falar muito contra a esperança passiva. Por mais que eu acredite que precisamos desenvolver nossa capacidade de exercitar nosso poder de ação como indivíduos, ainda vivemos em comunidades e em uma sociedade mais ampla. Existem coisas que eu estou, mais ou menos, com esperança passiva de que irão acontecer. Eu tenho esperança de que cientistas irão descobrir logo uma vacina que seja eficiente contra a COVID-19. Eu tenho esperança que morram menos pessoas do que pode. Tenho esperança que as pessoas que eu amo sobrevivam. Eu não tenho poder de ação na maioria dessas coisas, ou se tenho, é uma quantidade negligenciável. Meu papel nisso é evitar ficar doente se puder, é evitar deixar outras pessoas doentes se puder, e levantar o ânimo das pessoas sempre que puder, seja através do meu trabalho ou conversando com as pessoas amadas pelo telefone. Meu papel é minimizar meu impacto em um sistema de saúde sobrecarregado e oferecer esperança para as pessoas onde eu puder.
O resto? Vacinas e menos mortes? Isso é a minha esperança. Uma esperança passiva.
E estou de bem com isso.
Ter esperança de que essas coisas vão acontecer pode impulsionar o meu sentimento do que posso fazer. Se sou parte de uma equipe, tenho esperança de que minhas colegas de equipe conseguirão completar suas tarefas, pois é necessário nosso trabalho coletivo para ter êxito. Eu estou contando com, com esperança de, que o resto da minha equipe tenha sucesso para que minhas próprias ações façam sentido.
Quanto à outra crítica da esperança, a abordagem niilista, a abordagem da determinação obstinada… existem casos onde isso é útil. Às vezes a raiva bastará onde a esperança falhou. Mesmo assim, vamos dizer que estou com fome, e não tenho esperança de encontrar comida. Eu não vou ir atrás de comida de qualquer jeito, por pura determinação. Eu vou me desesperar. Um melhor uso para a abordagem da determinação obstinada seria, digamos, uma luta impossível contra um inimigo muito poderoso. Ao abandonar a esperança de vitória, ou mesmo de sobrevivência, é menos provável que eu ansiosamente minimize os riscos que estou assumindo. É menos provável que eu deixe o medo destruir a minha habilidade de viver. É mais provável que eu aja livremente para aproveitar o tempo que tenho o melhor que eu posso. Há beleza, há poesia na liberdade que podemos encontrar na falta de esperança. Entretanto, eu descobri que mesmo a minha determinação obstinada funciona melhor quando eu acho que tenho uma chance.
Eu imagino isso como um jogo de tabuleiro, ou de estratégia, contra uma jogadora que é incalculavelmente mais bem equipada e com mais experiência. Só o desespero, me levaria a desistir. Só a raiva, me levaria a jogar de forma não inteligente e simplesmente atacar, tentando machucar o meu inimigo o máximo possível em uma jogada destinada a acabar logo o jogo com a minha derrota.
Eu vivo a minha vida melhor quando jogo para vencer, quer eu tenha sucesso ou não.
Eu presumo que não vou morrer como eu gostaria: velha pra carvalho, tendo vivido a maior parte da minha vida em uma sociedade anarquista, cercada de amigas e família. Esse ainda é meu objetivo. É por isso que luto. A melhor vida possível eu vivo ao trabalhar buscando esse objetivo como se ele fosse possível. Porque ele é possível. Só não é provável. Me dê um fiapo de esperança junto com a minha determinação obstinada.
Sem esperança, para ser honesta, eu provavelmente só ficaria bêbada e jogaria videogames, e não viveria uma louca, bela e breve vida de crime revolucionário.
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Não estamos jogando contra um oponente que é incalculavelmente mais bem equipado e com mais experiência. Nós somos muito, muito mais poderosas do que nos damos crédito e a situação de nosso oponente, que parecia inabalável ano passado, está claramente mais fraca do que ele nos fez acreditar. Existem mais de nós do que jamais imaginamos, e mais pessoas estão se juntando a cada dia.
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Ultimamente eu tenho anotado as coisas que me dão esperança, eu dou uma conferida sempre que acontece algo no mundo que tira a esperança de mim. Recomendo isso. A sua lista pode não se parecer com a minha, e tudo bem. Em tempos como este, vão surgir pessoas alegando ter todas as respostas, ou até mesmo saber todas as perguntas a serem feitas. Essas pessoas estão mentindo ou estão erradas, e, de qualquer forma, elas estão tentando te vender algo. Faça sua própria lista. Tenha seus próprios objetivos.
Neste momento, enxergo esperança nas redes de apoio mútuo que de uma hora pra outra estão por tudo. Enxergo esperança nos motins nas prisões na Itália e nos juízes nos EUA que estão deixando mais e mais pessoas saírem das delegacias e penitenciárias. Enxergo esperança na quantidade de pessoas de centro ou mesmo capitalistas abandonando o lucro como motivo para alimentar pessoas, abrigar pessoas e manter seguras o maior número de pessoas possível. Eu enxergo esperança nas greves de aluguéis, de financiamento, e mesmo nas proprietárias de imóveis que estão dizendo para suas inquilinas que não precisam pagar agora. Enxergo esperança nas cientistas que estão se recusando a deixar suas descobertas beneficiarem apenas uma nação. Vejo esperança nas engenheiras que estão quebrando a lei de patentes para criar equipamentos que salvam vidas. Vejo esperança em donas de patentes que estão suspendendo suas alegações de propriedade intelectual em massa para deixar suas invenções serem usadas para salvar vidas. Vejo esperança nos funcionários da General Electric que estão exigindo que sua produção industrial seja modificada para a criação de respiradores. Vejo esperança na revista de ficção científica na china que está me enviando máscaras n95 para distribuir para trabalhadoras locais que lidam com o público.
Eu vejo esperança nas pessoas que estão descobrindo formas de cuidar umas das outras à distância. Nas pessoas que arriscam a sua saúde mental para preservar a sua saúde física e a de outras pessoas. Escolher o isolamento não é simples para ninguém, mas é mais difícil para certas pessoas.
Basicamente, vejo esperança em todo mundo que está fazendo o que sabe fazer melhor — seja por meios legais ou criminais — para quebrar o status quo o mais rápido possível para salvar vidas.
Está acontecendo por todo lado. Nunca imaginei que viveria para ver o dia quando uma parte tão grande do mundo se uniria para salvar umas às outras.
Então… somos nós. Vejo esperança em nós.