TRADUÇÃO – A erotização da subordinação das mulheres (Sheila Jeffreys)
Eu gostaria de falar sobre a construção da heterossexualidade em volta da nossa subordinação e o que podemos fazer sobre isso, se é que podemos, enquanto mulheres lésbicas e heterossexuais.
Isso se tornou um assunto crucial por conta do backlash desenvolvido por mulheres auto-denominadas feministas contra as que, de nós, lutam contra a pornografia. No começo, quando primeiramente estávamos afrontando a pornografia e violência sexual masculina, parecia que era uma luta que iria para frente.
Na verdade, nós nunca tivemos plena certeza de que iria para frente, já que nós que estávamos envolvidas no movimento feminista britânico contra a pornografia frequentemente sentávamos em grupo e admitíamos – embora não tão rapidamente, porque era difícil – que até mesmo os contéudos pornográficos mais misóginos com os quais estávamos lidando eventualmente nos causavam tesão. As feministas que, enquanto indivíduos, tinham essa reação à pornografia contra a qual queríamos fazer algo, se sentiam culpadas e isoladas. Nós nos sentíamos assim especialmente quando outras mulheres do grupo diziam que elas não conseguiam imaginar como é que alguém poderia sentir tesão com aqueles conteúdos.
Depois que esse problema continuou existindo por alguns anos e nós não havíamos avançado no entendimento das reações sexuais à pornografia, um backlash se desenvolveu contra nós. Esse backlash veio de mulheres que se descreviam como feministas e que queriam criar uma nova erótica, uma erótica feminista. Não surpreendentemente, a erótica feminista se parecia muito com a velha pornografia anti-feminista: ela erotizava a dominação e a subordinação.
Algumas dessas mulheres envolvidas em rechaçar as ativistas feministas anti-pornografia, algumas dessas mulheres envolvidas na criação da – supostamente nova – erótica da dominação-e-subordinação eram feministas que antes estavam, elas mesmas, envolvidas na luta contra a pornografia e a violência sexual masculina.
O que eu acho que aconteceu foi que, assim que feministas começaram a exibir slides analisando a pornografia e assim que mulheres começaram a ter reações àqueles slides, às vezes sentindo tesão por eles, nós então tinhámos duas opções a escolher. Nós poderíamos dizer: “eu sinto tesão com esses slides. Não é absolutamente aterrorizante o modo como a minha subordinação, enquanto mulher, foi erotizada e conseguiu entrar no que é mais pessoal e íntimo – meu coração e meu corpo – e agora parece ser parte do que é a minha intimidade, do que é meu?”
Nós poderíamos dizer isso e ficar absolutamente furiosas por conta do fato de que a opressão das mulheres realmente entra a fundo nos nossos corações e nas nossas mentes. Essa é a opção que eu e outras feministas escolhemos. E portanto isso nos motiva ainda mais a lutar contra a pornografia e a violência masculina.
Alternativamente, as mulheres que sentiam tesão com aqueles slides poderiam pensar: ”eu me sinto atraída por esse material. Portanto, eu detesto que as feministas estejam mostrando isso a mim. Eu estou brava porque elas estão me fazendo sentir culpada e envergonhada. Então, eu vou me opor a elas”. Acho que é por isso que algumas feministas estão se opondo às ativistas anti-pornografia.
O que eu estou querendo dizer é que todas nós temos o mesmo problema: nossa subordinação foi erotizada. Mas há duas maneiras de lidar com isso: pelo viés feminista ou se opondo a ele.
Então, assim me parece, que a coisa mais importante que precisamos fazer para seguir em frente é falarmos, juntas e de modo a gerar consciência, sobre a construção da nossa sexualidade. Nós temos que falar sobre aquelas coisas tão difíceis de serem ditas, como por exemplo as fantasias que nós temos dentro das nossas mentes, o modo como sentimos tesão e tudo o que isso significa. Então nós poderemos começar a discutir sobre a diferença entre sentimentos sexuais positivos e sentimentos sexuais negativos, nós poderemos decidir onde é que colocaremos a linha divisória. Eu acho que existe, sim, uma linha a ser estabelecida, porém ainda há dúvidas sobre onde colocá-la.
Quando nós fizermos isso, quando nós pudermos falar juntas sobre essas coisas, nós teremos a oportunidade de entender até que ponto nós internalizamos a nossa opressão e como isso tem nos afetado. Só então estaremos aptas a nos organizar de novo, a nos reconectar, unificar e direcionar nossa raiva à pornografia e à violência sexual masculina.
Vocês provavelmente sabem que algumas libertárias que tem erotizado a dominação e a subordinação tem promovido, também, práticas entre lésbicas como butch e femme role-playing e sadomasoquismo. Butch e femme tem começado a minar qualquer possibilidade de análise da sexualidade lésbica agora, e eu acho isso bem alarmante. (Para uma discussão sobre as implicações da reinvenção do role-playing para lésbicas, veja Sheila Jeffreys, 1987.) Um exemplo da glamourização do role-playing é um artigo chamado “Com o Que Estamos Rolando na Cama” de Cherrie Moraga e Amber Hollibaugh (Amber Hollibaugh e Cherrie Moraga, 1984). Nesse artigo, Amber se identifica como femme e diz que você não pode machucar a identidade sexual de uma butch porque essa identidade é muito frágil. Onde nós ouvimos isso antes? Nas palavras da Amber, ela simplesmente sentaria no colo de uma butch, ao invés de fazer uma aproximação mais óbvia.
A co-autora, Cherrie Moraga, identificada com a butch nesse artigo, fala como ela, sendo butch, não simplesmente senta no colo de alguém, mas sim vai até a garganta. A parte encenada por uma femme aqui é terrivelmente similar ao papel da fêmea heterossexual no clássico anti-feminista da Marabel Morgan, “A Mulher Total” (Marabel Morgan, 1975).
Um problema em levantar essas questões é que pode parecer como se somente lésbicas erotizassem a dominação e a subordinação, ou como se a maioria que erotizasse fosse lésbica. Isso, é claro, está longe de ser verdade. Entretanto, é necessário que lésbicas afrontem o role-playing para que possamos construir uma sexualidade igualitária. Quando eu me descobri lésbica, pela primeira vez eu não estava fingindo um papel ou imaginando que a pessoa com a qual eu estava seria alguém com incríveis poderes que na verdade ela não tinha. Pela primeira vez, eu pude ter uma experiência sexual igualitária.
Eu acredito que é possível para mulheres transformar sua sexualidade e se aproximar de modos mais igualitários de se relacionar sexualmente. Mas eu também acho que essa transformação possa ser mais difícil para mulheres heterossexuais do que para lésbicas.
Role-playing é algo próprio da heterossexualidade, é claro, mas mulheres com consciência feminista frequentemente veem a si mesmas como exceções. Se você olhar para qualquer casal heterossexual pró-feminista, você verá que a disparidade no modo como eles se sentam, se movem e se vestem é extrema. A erotização da desigualdade não está necessariamente atrelada ao lesbianismo, já que a desigualdade de sexo não é a base da relação sexual. É difícil imaginar como o desejo sexual hétero – considerando o role-playing presente em praticamente toda relação – poderia ser possivelmente igualitário.
Então eu acho que, enquanto mulheres heterossexuais e lésbicas, nós todas temos um problema a confrontar e resolver. Eu acho que nós devemos fazer algo a respeito da erotização da nossa subordinação. Ela é prejudicial a nós pessoalmente e as nossas relações. É, também, prejudicial a nós politicamente, porque dificulta nossa luta contra a supremacia masculina. Somente através do ataque à construção da nossa sexualidade é que podemos ir para a frente e realmente impactar a sociedade hetero-patriarcal na qual vivemos. Talvez devamos começar um diálogo, enquanto mulheres lésbicas e heterossexuais, sobre como podemos alcançar uma sexualidade igualitária.
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Texto original presente na coletânea The Sexual Liberals and The Attack on Feminism
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