Poxa, mulheres odiarem homens não é horrível?
É claro que vários homens desprezam mulheres, mas isso é diferente, pois o ódio-por-mulheres não é algo sério – na pior das hipóteses é excêntrico, no melhor dos casos é fofo. Odiadore(a)s de mulheres (muita[o]s da[o]s quais são mulheres) podem se expressar por todo lugar – como sou lembrada pelo mais recente cartoon sobre mulheres motoristas –, mas odiadoras de homens têm menos oportunidades. Ódio-por-homens exige auto-controle. Ademais, odiadoras-de-homens estão em minoria na medida em que, para cada Valerie Solanas, quantos estupradores, quantos assassinos estão por aí? Quantos críticos de cinema machos acharam “Frenzy” de Hitch-cock um vigésimo tão revoltante quanto o “Scum Manifesto” de Solanas? É claro que Solanas deu um passo além e agiu, mas também o fizeram vários e vários homens – na pequena cidade onde moro houve vários incidentes de estupro no ano passado, e a resposta comum aos mesmos foram risadas.
Ademais, não é nada novo para os oprimidos serem solenemente avisados que sua entrada no Paraíso depende de não odiar o opressor; trabalhadora(e)s não devem odiar os patrões e negros não devem odiar brancos porque ódio é ruim. É um nítido caso de ambivalência. Veja: (1)Você faz algo ruim para mim. (2)Eu te odeio. (3) Você acha desconfortável ser odiado. (4)Você imagina o quão legal seria se eu não te odiasse. (5) Você decide que eu devo não te odiar porque o ódio é mau. (6) Pessoas boas não odeiam. (7) Porque odeio, eu sou uma má pessoa. (8) Não é o que você me fez que me faz de te odiar, é minha própria natureza má. Eu – não você – sou a causa do meu ódio por você.
Por algum motivo, a misandria (um termo chique para o ódio-por-homens) é um tópico muito carregado. As pessoa ainda falam como se odiar homens significasse matar a todos imediantamente – como se não houvesse diferença entre sentimentos e ações. Odiadoras de homens são pessoas que sentem-se de uma determinada forma (nem mesmo o tempo inteiro, acreditem ou não); elas não são Assassinas Instantâneas. Se as misândricas fossem as bestas selvagens, descontroladas e vorazes que supostamente são, teriam sido estranguladas em seus berços. Certamente muita(o)s pouca(o)s de nós estamos seriamente com medo que ardentes batalhões de feministas misândricas virão marchando ao nascer do sol para castrar cada homem daqui à Califórnia – apesar das piadas que são ditas parecerem indicar que acreditamos nisso. Bette Friedan por acaso acha que isso realmente ocorrerá? Obviamente não. Acaso Jill Johnston? Dificilmente. Ainda assim, Jill Johnston provoca tal abuso extraordinariamente virulento que deve estar dando nos nervos de alguma forma, e Betty Friedan recentemente acusou Gloria Steinem (de todas as pessoas) de – quê? Odiar homens. Uma séria acusação.
Feministas que desejam que o feminismo seja respeitado temem que as “radicais” irão “longe demais”. Isso é, o ódio-por-homens entrega o jogo – nós não somos meramente liberais; nossas queixas são drásticas; nós estamos demandando, não pedindo; nós quebramos o molde da forma mais extensa possível; nós falamos realmente sério. (Por isso o ódio-por-homens tem sido usado como uma distração – é uma acusação bastante carregada.) Mulheres do movimento que pegam pesado publicamente contra a misandria estão com medo do backlash masculino. Elas querem a cooperação dos homens (e das mulheres), querem aceitação, querem popularidade.
Em segundo lugar, há mulheres que sentem que sua própria escolha de um estilo de vida (morar com um homem, dormir com um homem, trabalhar com homens, amar um homem) é de alguma forma impugnada ou tornada inválida por mulheres que odeiam homens. O segundo grupo, é claro, sente-se extamente da mesma forma sobre o primeiro grupo – mas isso vem acontecendo há anos. A novidade é que a escolha convencional e socialmente aprovada está agora aberta a algum questionamento. As americanas parecem estar agindo dessa forma ultimamente; não nos amamos o suficiente para valorizar nossas escolhas sem algum tipo de sanção. Então nós depreciamos as outras a fim de que elas não nos depreciem, mesmo que por implicação.
Talvez a causa mais importante do temor à misandria seja o horror de encarar a extensão pela qual misandria e misoginia são uma parte inescapável da textura de nossas vidas. Tudo bem brincar sobre “a batalha dos sexos”, mas não devemos levá-la a sério pelo paradoxal motivo de que é demasiadamente sério – todo homem é um misógino, como pode ele remediá-lo? E toda mulher é uma misândrica, como pode ela remediá-lo? A misandria, é claro, é muito muito pior do que a misoginia – conseqüentemente nos dando a pista de quem é o agressor na “batalha”. Enquanto que nem toda mulher é Valeria Solanas, Solanas é ‘toda mulher’ – isso quer dizer que ninguém pode escapar de sua situação geral. Realmente, alguns patrões são mais legais que outros. Mas um trabalho ainda é um trabalho. Realmente, o inimigo não está dando tiros particularmente em Yossarian. Mas ainda assim estão atirando nele.
Nós todas somos, a um grau muito alto e desconfortável, prisioneiras das instituições em que vivemos. Sermos forçadas a suportar coisas terríveis é ruim o bastante: nós somos forçadas a sentir coisas terríveis também – é realmente horrível perceber quantas ilusões e distorções têm sido forçadas sobre nós. É muito mais fácil dizer que tudo (como Perelman coloca) é mar e rosas, que todas as mulheres realmente adoram homens, que apenas mulheres “doentias” odeiam homens. Está chegando ao ponto de que afirmar que algo é “errado” em sentido prático e tático carrega tons de arbitrariedade (portanto a condenação de Friedan à Steinem, et al). Se você se dispõe a aceitar a existência de mulheres que de fato odeiam homens abertamente, e que elas odeiam homens ou porque chegaram a circunstâncias extremas (porém características) ou porque elas são mais esclarecidas que o restante de nós, isso significa que você deve aceitar a misandria como uma possibilidade para todas as mulheres. Se você é uma mulher, isso significa que você deve aceitar a misandria como uma possibilidade para você. (Se você é um homem, essa aceitação significa que você deve aceitar a possibilidade do ódio das mulheres como uma resposta racional a uma situação ruim, e que você não deve se alarmar com isso.) Aceitar a misandria é percerber as confusões atrozes de que nossas vidas são feitas, mesmo quando somos sortudas o bastante para escapar dos piores efeitos de nossa estrutura social. Há dois tipos de mulheres que nunca odeiam homens: as demasiadamente sortudas e as demasiadamente cegas.
Penso que nós devemos decidir que o ódio-por-homens não é apenas respeitável, mas honrável. Para ser misândrica, uma mulher necessita considerável genialidade, originalidade e resiliência. Um misógino não requer tais recursos. Nossos homens são criados para nos odiar; é o homem anti-convencional, inteligente, sensível e verdadeiro aquele que consegue sair dessa tirania e amar mulheres. Nós somos criadas para amar nossos homens – acriticamente, e temendo as conseqüências de não fazê-lo. (Eu não estou falando deste ou daquele homem em particular, mas homens enquanto grupo. A doutrina de que homens devem ser aceitos ou rejeitados enquanto indivíduos é um salva-vidas para mulheres que se horrorizam com o ódio-por-homens. Mas estas mesmas mulheres sabem perfeitamente bem que esta questão é uma questão de classe – elas mesmas argumentam que “homens” são maravilhosos, que “homens” são bons, especificamente, elas quase sempre aceitam os termos de classe do argumento , até que alguma outra pessoa as desbanque trazendo o argumento individualista de que as pessoas devem ser julgados singularmente, deslizando então imperceptivelmente para a posição de que pessoas não pertencem a grupos ou classes de fato.) São as mulheres anti-convencionais, verdadeiras, sensíveis, inteligentes e originais que conseguem sair debaixo desta tirania, e ver claramente que serem discriminadas, apadrinhadas, diminuídas, frustradas, limitadas, tratadas sem respeito e ensinadas que não são importantes dificilmente são solos férteis para o Amor.
É possível rejeitar a misandria enquanto uma tática, ou até mesmo escolher suprimí-la em si mesma, e ainda assim aceitar as misândricas elas mesmas. Isso envolve reconhecer a misandria como uma permanente possibilidade nas situações de cada mulher, e conseqüentemente em sua vida. Significa não estar nervosa sobre o que os homens vão pensar dessas mulheres horríveis e odiadoras-de-homens. Significaria criticar odiadoras-de-homens – no máximo – privadamente.
A situação das mulheres em relação aos homens não é apenas opressiva; é terrivelmente confusa. Como diz Virgínia Woolf, nem lisonjas, afeto, conforto em sua companhia, nem amor podem impedir uma mulher de ser colocada em seu lugar. (Coisas ruins acontecem não apenas quando o subordinado se engrandece, mas quando o superior irrita-se e quer alguém em quem descontar – todas nós admiramos o realismo delicado do cartoon no qual Patrão grita com Marido, Marido grita com esposa, e esposa grita com Filho. Este Filho deveria ter um Cão.)
Já é ruim o bastante coisas ruins serem feitas a você; o pior é o duplo-vínculo que segue. O homem insiste – em geral semi-sinceramente, apesar dele ter algum indício de seus motivos, pois ele se irrita se você o questiona – que (1) ele não fez nada, você deve estar alucinando; (2) ele o fez, mas é trivial e portanto você é irracional (“histérica”) ao se ressentir ou se magoar; (3) é importante, mas você está errada em descontar nele pessoalmente, porque ele não intencionava fazê-lo de forma pessoal; (4) é importante e pessoal, mas você o provocou, em específico é sua culpa e não dele. Pior ainda, ele freqüentemente insiste em tudo isso ao mesmo tempo. Nesse tipo de situação ideologicamente mistificada, clareza é crucial. Vamos deixar várias coisas claras: ferir pessoas as deixa irritadas, irritação transforma-se em ódio quando a raiva é crônica e acompanhada por impotência, e apesar de você poder intimidar e envergonhar pessoas para não mostrarem suas raivas, a única maneira de parar a raiva é parar a dor. A cura para o ódio é o poder – não o poder de ferir o agressor, mas o poder de fazer parar o agressor.
É um erro pensar que o ódio-por-homens é uma auto-indulgência delicada; trata-se de algo muito desagradável. Tampouco é uma raridade patológica; nada poderia ser mais comum. Vá olhar para a arte popular dirigida às mulheres: revistas de romance, filmes “de mulheres”, Góticas modernas. Onde não há vingança disfaçada (como há na apresentação de estúpidos e débeis homens das velhas rádio-novelas) há abundante impotência, dor, e auto-desprezo. Eu considero odiar a outros moralmente preferível do que odiar a si mesma(o); isso dá uma espinha dorsal à espécie humana. É a primeira de todas as virtudes biológicas, auto-preservação, e necessita de mais bravura do que você pode imaginar. E antes de você desdenhar da auto-preservação e declarar que auto-imolação é maravilhoso (especialmente para mulheres), lembre-se que auto-sacrifício é uma virtude sempre forçada sobre grupos oprimidos. (Algumas mulheres tornam a “virtude” do auto-sacrifício e Amor em armas para elas mesmas: em específico, a geração de culpas “eu sacrifiquei tudo por você”, e a multidão mais-amorosa-que-vocês, que tratam uma emoção espontânea como se fossem características moralmente cultivadas. Elas são bastante impertinentes para mulheres que não amam tanto quanto elas).
Porque o ódio-por-homens é tão atroz? Porque é mais fácil para todo(a)s, machos e fêmeas, demandarem a santíssima pureza dos oprimidos do que dar uma tacada nos opressores. Já está mais do que na hora de pararmos de nos preocupar se as feministas são santas; elas não o são, bem previsivelmente. E é também chegada a hora de descartar essa bobagem perene de evitar Mudanças porque Mudanças provocarão um Backlash. Mudanças sempre provocam um backlash. Se você não se depara com qualquer resistência, não está fazendo seu trabalho político. Como diz Philip Slater em “The Pursuit of Loneliness”, “backlash” é o que acontece quando pessoas descobrem que mudança significa mudança. Declarar piamente que o feminismo é na realidade muito moderado e inofensivo não irá enganar ninguém por muito tempo. O radicalismo de uma causa não advém dos desejos individuais de uns poucos líderes bem-reconhecidos, mas da situação em que grandes, enormes números de pessoas se encontram. Feminismo é radical. Aquelas que não querem que seja “tão” radical estão se percebendo ou desnudadas, ou ignoradas; elas se tornam (de forma deprimente) as queridas de uma Ordem Estabelecida que gosta delas por todos os motivos errados.
Condenar a misandria é ter expectativas de conduta mais altas para mulheres do que para homens. É estar tão assustada com o feminismo em si que não permite que uma mancha de ordinária corrupção humana possa ser permitida dentro dele. É aceitar a idéia da opressão somente na condição de que os verdadeiros e feios efeitos da opressão sejam negados. É considerar o feminismo um movimento moral, e não um movimento político – homens são ‘ok’, mas devemos ser melhores.
Não é disso que estávamos tentando nos livrar em primeiro lugar?