Ti Grace Atkinson, escritora feminista dos 70 que questionou a institucionalidade de determinadas práticas sexuais e escreveu folheto e artigo sobre o mito do orgasmo vaginal, à esquerda, com membras do ‘Feminists’ em demonstração frente à Licença de Casamento de Manhattam. ‘Sexo está super estimado’, ela diz. ‘Se um dia tivermos que escolher entre sexo e liberdade, não haveria dúvida, eu tomaria Liberdade’.
Independência da Revolução Sexual¶
Dana Densmore (Publicado em Radical Feminism, Anne Koedt, Ellen Levine, Anita Rapone, eds. Quadrangle, 1973)
Nós seres humanos não somos criaturas que surgem da terra, com nossa integridade completa e imutável, nosso poder de decisão livre e objetivo. Nós somos não somente influenciados pelo meio, somos condicionados e construídos por ele.
Desejos e até necessidades podem ser criados. Estamos todos acostumados com as técnicas engenhosas da Madison Avenue para gerar insegurança a fim de oferecer seu produto ou serviço como forma de sanar essa insegurança. As técnicas mais eficientes se concentram em nossos medos de não sermos aceitos socialmente, não sermos amados, não sermos sexualmente atraentes.
As sementes da insegurança já existem em uma sociedade cuja ideologia do individualismo isola as pessoas e coloca a culpa no indivíduo por toda inadequação e fracasso. Nós ouvimos constantemente as variações nesse tema. Elas são utilizadas para não admitir que algo poderia estar errado na forma que a nossa sociedade está construída. “Se você não consegue se adequar bem na vida, o problema é seu: talvez ajuda profissional seja necessária.” “Não tente mudar o mundo —é melhor libertar sua mente.”
E nós ouvimos isso como resposta à ameaça da libertação feminina: “Você deveria se sentir intimidada ao ser rebaixada pelos homens.”; “Deixe sua família se ela é tão opressora assim.”; “Se você não gosta de jeito que seu amante te trata, você pode sair da cama.”; “É sua própria culpa se você não consegue um bom trabalho —você se permitiu ser desencorajada, você escolheu os cursos mais fáceis e ‘femininos’ na faculdade.”
A suposição implícita em todos esses discursos é a da ideologia individualista de que se você é incapaz de fazer algo que é teoricamente possível (ou presumidamente possível em teoria) é devido a uma dificuldade pessoal e, consequentemente, sua reclamação não é válida. Isso isola as pessoas e tende a deixá-las inseguras. Frequentemente elas chegam ao ponto de desprezar a si próprias, porque enxergam em si mesmas tantas supostas fraquezas e problemas psicológicos que as impedem de serem felizes, bem-ajustadas e eficientes. Essa é uma característica de nossa sociedade que isola a todos nós, não apenas as mulheres. No entanto, mulheres, sendo as mais oprimidas, são mais forçadas a se culpar por sua impotência e portanto são as que mais se desprezam, as mais isolodas e que sentem mais medo e ansiedade de que ninguém as irá amar.
O próprio isolamento que a ideologia individualista impõe nos faz desejar ainda mais ser amadas e aceitas, e temer ainda mais não ser dignas de amor. Mas nós não conseguimos escapar do medo de não sermos amadas. “Quem que iria me querer?”, nós nos perguntamos; “Eu tenho todas essas nóias.” A solução oferecida a todas essas questões é geralmente a de se abrir até que você acabe se fundindo a outra pessoa de forma altruísta. Em muitos casos isso significa explicitamente sexo. Mas todas as soluções apontam para sexo de uma forma ou outra. Sexo torna-se mágico, ganha uma vida própria tornando qualquer coisa interessante, fazendo com que tudo valha a pena. É por isso que nós passamos horas provando micro-vestidos, nos enchendo de correntinhas, colocando lingeries de renda e aplicando maquiagem.
É nisso que muitas garotas que poderiam estar lutando pela libertação feminina estão empregando suas preciosas energias e buscando como uma parte indispensável de suas vidas. Elas gastam e dissipam seu tempo valioso, talentos e forças em tentativas de ser atraentes para os homens, e para resolver questões com seus amantes de forma que o “amor” seja menos degradante. E com muita frequência tudo que elas colhem é desmoralização, ego ferido, exaustão emocional.
Sob a bandeira de “não negar nossa sexualidade” e apontando para a repressão do passado, quando às mulheres foi negado o direito a qualquer prazer em seus corpos, muitas de nós agora adotamos a sexualidade e suas expressões sem nenhum critério. Como se o excesso no presente pudesse compensar a privação no passado. Como se mesmo a total satisfação sexual pudesse mudar alguma coisa. Exceto… é isso mesmo? —exceto o medo que sentimos sozinhas à noite, de que talvez sejamos mesmo as loucas neuróticas e sexualmente frustradas que nossos caluniadores nos acusam de ser. Será que estamos buscando satisfação sexual tão avidamente porque precisamos provar que nossas políticas não são simplesmente resultado da falta de uma boa trepada?
Daí tem a questão dos orgasmos. Dentre aquelas que nunca foram bem-ajustadas e mulheres o bastante para se induzirem a um orgasmo enquanto são vaginalmente estimuladas por um homem, há algumas que, ao descobrirem que sua vergonha e angústia não são algo raro mas extremamente comum e devido a fatores anatômicos, reagem a essa descoberta com o sentimento de que elas devem compensar exigindo toda a satisfação física que elas têm proporcionado aos homens todo esse tempo esquecendo delas próprias.
O que nós perdemos não foi apenas X oportunidades de prazer físico. O sofrimento que inúmeras mulheres suportaram porque lhes foi dito que se elas não tivessem orgasmos vaginais elas eram frígidas —que eram neuróticas, egoístas, não-femininas, sexualmente inadequadas, incapazes de relaxar e se doar e secretamente ressentiam do poder de seus maridos e os invejavam —esse sofrimento é imenso e desolador.
A liberação da igualdade sexual e o direito ao prazer sexual é a solução para o futuro. Mas há alguma solução para o passado? Seria uma solução sair por aí e colecionar orgasmos a fim de compensar por todos os anos de frustração e auto-depreciação? Eu penso que você não consegue compensar por todo aquele sofrimento, e certamente não através de uma mera sensação física. E quanto às recompensas psicológicas de finalmente obter o que me é devido, eu não consigo sentir nenhum triunfo nisso, especialmente quando eu ainda estou lutando contra velhos hábitos e antigas culpas que permanecem mesmo depois que o intelecto e a vontade tenham seguido em frente.
A pior parte é que mesmo com a perfeita satisfação sexual e prazer mútuo livre de culpa, nós ainda somos oprimidas. Afinal, algumas mulheres conseguiram ter orgasmos vaginais todo esse tempo, e elas ainda eram oprimidas; de fato, era assim que você deveria atingir o orgasmo — rendendo-se completamente à vontade do homem, amando ser uma mulher e tudo que isso implicava. Relações sexuais no mundo atual (e talvez em toda a história) são opressivas. O fato de seu amante lhe dar um orgasmo muda apenas uma pequena parte dessa opressão (mais precisamente aquela que dita que você deve se enxergar como uma criatura a qual somente é permitido o prazer silenciado, sensual, semi-masoquista de ser fodida e nunca o prazer ativo e transcendente do orgasmo).
Se essa fosse a única injustiça, ou mesmo a maior injustiça feita a nós, nós estaríamos muito bem, de fato. Na verdade, nós provavelmente seríamos capazes de suportar sem problemas, certamente sem toda essa angústia e auto-depreciação. É a opressão e degradação generalizadas que sofremos no mundo que faz com que sejamos humilhadas no ato sexual, como a Simone de Beauvoir aponta. Se não fosse pelo sentimento de inadequação e impotência que aprendemos em todos os outros aspectos de nossas vidas, nós chutaríamos nosso amante da cama se ele fosse arrogante, não atencioso ou rude.
Alguns homens lavam a louça toda noite. Isso não torna suas esposas livres. Pelo contrário, isso é apenas mais uma coisa pela qual ela deve ser grata a ele. Ele, no poder e glória de sua masculinidade, dignou-se a fazer algo para ela. Nunca significará mais que isso enquanto as dinâmicas básicas de poder não mudarem. Enquanto os homens constituírem a casta superior e mantiverem o poder político na relação de classe entre homens e mulheres, será um favor que o seu amante estará fazendo a você, não importa o quanto autoritariamente você o exija. E além dessas pequenas atitudes, nada mais precisa ser mudado.
Mas a questão não é apenas o orgasmo. Não nos era nem permitido envolver-nos em intercurso sexual sem perder a dignidade social e o respeito dos homens. Não nos era permitido amar, trepar, gostar de trepar, nem mesmo com nossos maridos. Ordenava-se aos maridos que amassem suas esposas, e às mulheres que obedecessem seus maridos. Era cruel e insuportavelmente hipócrita.
Mas independente do que nos foi negado no passado, não se pode dizer que o acesso ao prazer sexual nos é negado agora. Nosso “direito” a ter prazer com nossos corpos não nos foi somente concedido; é quase uma obrigação. De fato, as coisas foram invertidas ao ponto de que o “fato” (na verdade um artifício para confundir) de que nós não fazemos sexo é cochichado e usado pelos homens para desencorajar “suas” mulheres de se relacionarem conosco. Essa é uma mudança que me faz rir toda a vez que penso no assunto. O que a “Ask Beth” pensaria disso! Como os homens conseguem dizer isso com uma expressão séria? Eles devem realmente se sentir aterrorizados com a idéia de perder o poder para definir o que é apropriado para mulheres direitas. (Visto que esse poder é justamente o que estamos questionando.)
O direito que é um dever. Liberdade sexual que não inclui liberdade para recusar sexo, recusar ser definida a todo momento por sexo. Sexo se torna uma religião, existindo independentemente dos indivíduos que compartilham de sua consumação física particular. A mídia nos bombardeia com isso. Sexo está em todo lugar. Nos é forçado garganta abaixo. Ele é o grande procedimento padrão que nos mantém em nossos lugares. É o que torna interessantes nossas vidas miseráveis. Em todo lugar nós somos objetos sexuais, e nossa própria satisfação simplesmente aumenta nossa atraência. Nós somos sensuais. Nós usamos minissaias e blusas transparentes. Nós somos sexy. Nós somos livres. Nós andamos por aí e vamos pra cama quando bem entendemos. Essa é a auto-imagem que construímos em nós por toda a publicidade e a mídia. Ela é muito eficiente. E muito proveitosa. Ela nos mantém em nosso lugar e nos sentindo “felizes” (a liberdade para consumir, consumir, consumir, até que a gente engula o mundo). Nos faz parecer livres e ativas (ativamente, livremente, nós pedimos sexo aos homens).
E as pessoas parecem acreditar que a liberdade sexual (mesmo quando é apenas a liberdade de oferecer-se ativamente como um objeto concordante) é liberdade. Quando os homens nos dizem, “Mas vocês já não estão livres?”, o que eles querem dizer é, “Nós dissemos que tudo bem vocês nos deixarem fodê-las, que a culpa era neurótica, que castidade é perda de tempo; vocês já estão praticamente dando na rua, o que mais vocês querem ou podem aguentar?”. A suposição não-declarada por trás desse equívoco é que mulheres são seres puramente sexuais, corpos e sensualidade, máquinas de foder. Portanto liberdade para mulheres somente poderia significar liberdade sexual.
Liberdade espiritual, liberdade intelectual, liberdade de invasões de privacidade e insultos de estereótipos degradantes —essas são apropriadas apenas para homens, que se importam com elas e conseguem apreciá-las. A mulher, lembre-se disso, é um ser sexual, afável, emotivo, expressivo, altruísta, próximo à natureza, físico, aprisionado pela assustadora, repugnante, deliciosa, tão efêmera carne. Para tal criatura, atrever-se no território da transcendência é indignante, impensável, polui os reinos puros e elevados do arbítrio e espírito, onde ascendemos acima da carne.
Infelizmente, os oprimidos frequentemente adotam as psicoses da classe dominante, transformadas, por vezes, ao ponto que elas não mais parecem projeções perversas e intelectualmente disonestas mas uma aceitação razoável da realidade (e para os oprimidos, a realidade é de certo modo o que a classe dominante acredita). Então nós reconhecemos que possuimos algum intelecto, e talvez até o utilizemos abertamente com homens tolerantes ou sofisticados. Mas também reconhecemos que, uma vez que somos mulheres, nós somos afáveis, emotivas, expressivas, altruístas, próximas à natureza, por vezes regidas por nossa sensualidade, nossa profunda, inegável sexualidade.
Há recompensas nisso para nós. Ao nos perdermos em entrega sexual nós despertamos naquele homem poderoso, racional, rígido, sem emoções e analítico a necessidade desprezível, total, frenética da carne à qual ele gosta de se pensar superior. E não há dúvidas que para uma mulher o amor sexual contém como forte componente o desejo de tornar-se poderosa ao se unir com o poderoso. Ela vê a si própria como impotente e ineficiente, a ele como poderoso e competente. Ela anseia por aquela sensação de competência e a confiança que ele possui por saber que o “mundo é dele”. Na intimidade e êxtase do sexo ela espera perder a si mesma, fundir-se a ele de forma que tornem-se um só.
Crianças que ouvem repetidamente que são mentirosas ou ladras tornam-se mentirosas ou ladras. Pessoas que ouvem repetidamente que são loucas tornam-se loucas. Se você ouve repetidamente que você é um ser que possui necessidades sexuais profundas, é bem provável que você descubra que possui realmente. Particularmente quando outras formas de expressão são proibidas ou desencorajadas. Particularmente quando é enfatizado que aquelas que não possuem essas necessidades são frígidas, neuróticas, sexualmente desajustadas (o que para uma mulher significa essencialmente desajustada), secas, estéreis, dignas de pena.
Esse estereótipo também acaba se concretizando. Uma mulher que não sente prazer no sexo, por qualquer motivo (seu marido, talvez, lhe é repulsivo por sua atitude como amante ou por conta do desprezo que ele demonstra por ela fora da cama), pode se tornar amarga acreditando que lhe falta a sua satisfação feminina, o grande prazer avassalador que faria com que todos os sofrimentos de ser mulher valessem a pena. É inútil afirmar que não somos programados para desejar sexo, buscá-lo, necessitá-lo. Mesmo quando sabemos que algo é falso nosso condicionamento nos leva a continuar agindo de acordo. Nesse caso, é muito difícil até mesmo de separar o que é verdade do que é falso.
Uma mulher com quarenta e poucos anos me escreveu: “Agora eu percebo tudo sobre isso ser um instinto, mas eu acho que há algo a mais nessa história. Quando eu reflito sobre minhas experiências passadas, raramente consigo localizar uma vez em que fui compelida por uma necessidade interna. Eu não estou dizendo que se eu não trepasse por um longo período (o que nunca aconteceu comigo), eu não teria o instinto, mas estou dizendo que nós precisamos de alguma prova do quanto é necessário porque eu suspeito que até o mínimo é muito, muito inferior ao que é imaginado… Eu sei que me convenci a fazer sexo na maioria das vezes provavelmente buscando aquele ‘orgasmo arrebatador’, que talvez fosse uma mentira de qualquer forma. E se ninguém tivesse me apresentado aquelas palavras com as quais eu me convenci? Eu começo a desconfiar de tudo. Me lembra daquela frase do Notas Do Primeiro Ano: às vezes você prefere jogar ping-pong.”
Sem dúvidas há algumas vontades inatas, ou ao menos propensões. Mas uma propensão pode ser construída culturalmente de forma a se tornar uma obsessão ou culturalmente eliminada, às vezes simplesmente por não ser encorajada. Eu pessoalmente suspeito que alguma forma de desejo sexual pode ser inata. Seres humanos se reproduziam antes de possuírem uma organização social elaborada institucionalizando o intercurso sexual e antes dos anúncios coloridos de uma página inteira em revistas impelindo mulheres a “tornar-se algum corpo”. "Be Some Body"
E se de fato esse desejo não é tão forte assim, poderia ainda ser bom mantê-lo (encorajá-lo) se ele propicia às pessoas prazer físico ou prazeres de intimidade. Mas deve-se considerar que deve ser prazeroso a ambas as partes, sempre: o que significa que nunca deve ser institucionalizado por lei ou cultura. E se é um “instinto” básico sentido tanto por homens quanto mulheres, não há necessidade de institucionalizá-lo para garantir sua sobrevivência.
O que “enxergamos” quando olhamos para dentro pode corresponder muito pouco à realidade. Estamos saturadas por uma história em particular sobre o que há lá dentro. Além do mais, nós fomos saturadas por isso durante todas as nossas vidas, e isso nos condicionou e nos tornou o que somos. Nós sentimos que precisamos de sexo, mas a questão é muito confusa. O que é que precisamos realmente? São orgasmos? Intercurso? Intimidade com outro ser humano? Toques? Companheirismo? Bondade humana? E nós “precisamos” fisicamente ou psicologicamente?
O intercurso, no sentido do ato físico que é o objetivo final de tanta ansiedade, estratégias e desgaste, não é necessariamente o que nós estamos anseando, não mais do que, nos casos mais óbvios, é a publicidade de produtos para consumo que gera um anseio neurótico por aquilo. Fisicamente, há uma certa tensão objetiva e liberação, ao menos para o homem, quando a excitação leva ao orgasmo. Com uma mulher mesmo essa questão física é muito menos definida: a maioria das mulheres não tem orgasmos no intercurso, e muito poucas sempre os têm. Eu acho que todas concordaríamos que não é esse o objetivo ao irmos para a cama com um homem. De qualquer forma, um orgasmo para a mulher não é uma liberação no mesmo sentido que é para o homem, uma vez que somos capazes de atingir um número indefinido de orgasmos, permanecendo excitadas o tempo todo, limitadas somente pela exaustão. A liberação que sentimos, portanto, é psicológica. A tensão psicológica de conseguir esse homem, de possui-lo intimamente de uma determinada maneira, é liberada quando nós o “possuímos” através do orgasmo dele. Nós então sentimos o prazer da proximidade porque ele está mais aberto a nós (desde que ele esteja realmente aberto e não simplesmente vire para o lado e durma, ou se levante da cama para se ocupar com alguma outra coisa, sua atenção facilmente desviada agora).
Sem negar que sexo pode ser prazeroso, eu sugiro que o que realmente procuramos é proximidade, união, talvez algum tipo de abstração de si própria que dissolva o terrível isolamento do individualismo. O argumento do prazer não me impressiona muito. Muitas coisas são prazerosas sem que nós pensemos que não podemos viver sem elas, até mesmo num contexto revolucionário. Eu consigo pensar em certas comidas, certas músicas, certas drogas cujos prazeres físicos proporcionados podem ser equiparados até mesmo a sexo bom.
Além disso, a destruição do sentimento de isolamento através da comunicação, comunidade, bondade humana, e lutas em comum podem todas ser encontradas em outras mulheres à medida que se trabalha em conjunto na luta contra a opressão. Com outras mulheres vocês são mais do que amigas, vocês são irmãs. Seria um erro descartar rapidamente a força espiritual que pode ser obtida da irmandade, ou superestimar o abrigo nos braços de um homem, só porque este é, tradicionalmente, o único refúgio permitido à mulher.
O que eu quero sugerir não é que sexo é por natureza mau e destrutivo, mas que não é uma necessidade física absoluta: a suposição de que é uma necessidade física absoluta é que é ruim, e os padrões gerados por essa suposição é que são destrutivos. A maioria de nós reconhece que relações sexuais frequentemente se mostram ruins e destrutivas numa sociedade onde a desumanização, exploração e opressão das mulheres estão tão profundamente arraigados na cultura. O que nós buscamos é a exceção, o caso raro no qual temos, ou pensamos por um tempo que poderíamos ter, o cara certo e as circunstâncias certas.
Mas até mesmo no amor somos limitadas quando acreditamos que precisamos trepar para expressar amor. Nós somos programadas a pensar que não apenas sexo é o único modo de demonstrar ou provar nosso amor, mas que é o único (ou melhor) modo de expressá-lo. E nessa sociedade perigosa e alienante nós nos sentimos sempre muito ansiosas para demonstrar, provar, e expressar nosso amor, e a esperar que a afeição de nosso amante seja demonstrada, provada e expressada para nós. Para homens isso é duplamente tentador uma vez que sexo para eles é a única ou melhor maneira de provar ou expressar sua virilidade, tanto pela demonstração de potência sexual quanto pela imposição de sua vontade sobre uma mulher.
Considerando que isso é verdade, portanto, nós somos condicionados a essa forma de expressão e nos voltamos a ela sem pensar. Mas nós precisamos desenvolver novos meios não-sexuais de se relacionar com pessoas, com homens e mulheres. A obsessão pela sexualidade genitalizada, e trepar em particular, nos afasta de um mundo de possibilidades enriquecedoras. Nós pensamos que amor é amor sexual, amor sexual genitalizado. Portanto nós não podemos amar mulheres ou homens com os quais não estamos sexualmente envolvidos ou interessados. Afetuosidade também é relacionada com sexo genital e com exceção de crianças, animais e alguns parentes próximos, todo afeto físico deve se limitar ao parceiro sexual masculino. Até mesmo comunicação, contato humano e compreensão presumidamente apenas estão disponíveis na intimidade do contato sexual genital.
Todo desejo de amor, companheirismo, afeto físico, comunicação e bondade humana se traduz portanto como desejo por sexo. Isso é pateticamente restrito, incrivelmente limitante. Especialmente já que se pode questionar justificadamente se é ou não comum obter essa comunicação, essa bondade humana, esse companheirismo e afeto que buscamos. É o que queremos, ok, mas nós precisamos questionar, da mesma forma que questionamos o medicamento que promete bem aquilo que queremos: ele realmente faz isso? E se não, talvez seja na prática uma fraude.
De fato, como mulheres frequentemente observam, sexo pode ser uma forma rápida de estragar um bom relacionamento. Ou porque o homem simplesmente não consegue tratá-la de igual para igual quando ele está tão envolvido, ou porque ele não sabe como tratar a mulher com igualdade em um relacionamento sexual, ou porque ele estava secretamente ou inconscientemente somente atrás da conquista o tempo todo.
Outro problema é que homens têm uma visão diferente sobre amor e sexo que as mulheres e na maioria das vezes elas não sabem disso. Elas presumem que estão fazendo investimentos iguais ou similares. Estudos foram feitos sobre o que homens e mulheres pensam que é o amor, e o que o amor significa para eles. Afeto e companheirismo são os primeiros citados pelas mulheres, seguidos de segurança e outros elementos, e sexo aparece em oitavo lugar. Homens invertem essa ordem ao colocar sexo em primeiro lugar. Companheirismo e afeto são objetivos secundários para os homens. Essa orientação da parte deles, juntamente com as atitudes culturais (e medos) que os homens apresentam em relação às mulheres, fazem com que a relação de amor sexual seja um local inadequado para uma mulher buscar comunicação e entendimento humano.
No entanto, contanto que sejamos capazes de fazer demandas claras em um relacionamento, insistindo que o homem cumpra certos requisitos ou então não ficaremos com ele, muito obrigada, nós poderemos sobreviver sem grandes sofrimentos. Os requisitos podem ser: (1) Ele está sexualmente interessado em mim, e não interessado em sexo com a pessoa que estiver disponível no momento. (2) Ele não é desinteressado em relação a mim além do sexo, ele é sensível, leal, talvez até me ame. (3) Ele me respeita como pessoa, está disposto a conversar comigo, não me intimida, não passa sermão ou menospreza minha opinião e projetos.
É quando não estamos livres ou não nos sentimos livres para fazer essas demandas mínimas num relacionamento que problemas surgem. E não estamos livres quando estamos presas pelo falso condicionamento que decreta que precisamos de sexo. Não estamos livres se acreditamos nos avisos culturais ameaçadores de que ficaremos com “tesão” e frustradas e neuróticas e finalmente iremos secar como ameixas e teremos de abandonar qualquer esperança de sermos boas, criativas e eficientes. Nós não estamos livres se acreditamos que, como animais não-racionais, somos regidas por algo que não é apenas insintivo mas irracionalmente, irremediavelmente inevitável. Se acreditamos em tudo isso, então, devido à raridade de relacionamentos bons, saudáveis e construtivos entre homens e mulheres no mundo atual, nós seremos forçadas a aceitar, até mesmo buscar relacionamentos ruins e destrutivos nos quais somos usadas, nos quais aceitamos humilhação pelo privilégio de “usá-lo”.
Se fosse verdade que precisamos de sexo com homens, isso seria um grande infortúnio, que poderia praticamente condenar nossa luta. Felizmente, não é verdade. Quando buscamos sexo, é por uma escolha consciente e inteligente. Nós desejamos experimentar, através de intimidade, bondade humana, comunicação, fusão “de volta ao útero” e abstração, e sinceridade quase infantil. Nós fazemos sexo porque pensamos ser a coisa certa. Nós podemos estar erradas. Talvez pensemos que é a coisa certa porque acreditamos que nos tornaremos vacas neuróticas caso contrário. Mas não o fazemos porque somos seres sexuais que não podem “negar sua sexualidade”. De acordo com esse argumento, ter sentimentos sexuais, ou uma energia que poderia ser rapidamente convertida em energia sexual e no entanto optar por não manter intercurso sexual e empregar essa energia em outra atividade que parece ter, no momento, mais prioridade, é “negar” nossa sexualidade.
Isso é o que homens têm imposto a nós todo esse tempo. (Eles não aplicam a mesma lógica a eles mesmos.) Porque eles se relacionam conosco de forma sexual, eles concluem que somos seres sexuais. Se nós nos manifestamos de outra forma, então, algo está seriamente fora do lugar uma vez que estamos “negando” que somos primariamente seres sexuais. Mas, de fato, somente se formos seres meramente sexuais, exclusivamente sexuais, que optar por empregar nossa energia em outra atividade indicaria qualquer tipo de negação. (O grande cientista ou artista ou escritor que usa toda a sua energia no seu trabalho não está negando nada —isso seria insultá-lo; ele simplesmente percebe que o dia é curto e por enquanto seu trabalho é mais importante para ele.)
Pessoalmente, eu reconheço que tenho sentimentos sexuais. Sua natureza e origem exatas estão abertas a debate, mas eu não tenho dúvidas de que exista uma realidade física objetiva pelo menos até um certo ponto. No entanto, somente eu irei decidir qual importância esses sentimentos têm em minha vida como ser humano. Nós não vivemos em uma sociedade ideal, e ideias ou estilos de vida “pós-revolucionários” podem muito bem retardar a revolução ou torná-la impossível. O fato de que, em uma boa sociedade, mulheres podem querer produzir crianças, ao menos até o aperfeiçoamento do útero artificial, não significa que eu deva ter filhos agora nas atuais condições. De forma parecida, a crença de que sexo teria um espaço em uma boa sociedade não significa necessariamente que devemos fazê-lo agora. A decisão deve estar baseada nas condições objetivas do presente.
Permita-me dizer algo sobre as condições objetivas do presente. Nós somos pessoas deficientes vivendo num mundo ruim e destrutivo. Nós temos muito mais a fazer além do mero ato de viver. Há muito trabalho que precisa ser feito, e não, de forma alguma, somente o trabalho de libertar pessoas e promover uma revolução. Há o trabalho de nos reconstruirmos, aprender a nos conhecermos e reconhecermos nossos potenciais, aprender a nos respeitar e respeitar outras mulheres e trabalhar em conjunto. Nós devemos superar todos os padrões auto-destrutivos que aprendemos por toda uma existência feminina.
Esse trabalho de recuperar a nós mesmas e promover uma revolução nas mentes de outras mulheres a fim de libertar todas nós é o trabalho mais importante. Se um relacionamento ou encontro sexual em particular é conveniente, apropriado e prazeroso, se não é degradante ou possessivo ou desgastante de alguma forma, você poderá decidir pela escolha de investir parte de seu tempo precioso nisso.
Mas lembre-se do quanto precioso é o seu tempo, sua energia e seu ego, e respeite-se o bastante para insistir que as recompensas correspondam ao investimento.
retirado de feminist-reprise.