“LESBICAS EM REVOLTA”
Tremores e Arrepios na Supremacia Masculina
Charlotte Bunch
Publicado em The Furies, revista lésbica feminista vol.1 em Janeiro 1972.
O desenvolvimento de políticas Lésbicas-Feministas como a base para a libertação das mulheres é nossa prioridade maior, esse artigo contorna nossas idéias presentes. Em nossa sociedade que define todas pessoas e instituições para o benefício dos ricos, homens e brancos, a Lésbica está em revolta. Em revolta porque ela define a si mesma nos termos das mulheres e rejeita as definições dos homens de como ela deve se sentir, agir, aparentar e viver. Ser uma lésbica é amar-se a si mesma, mulher, numa cultura que deprecia e despreza mulheres. A Lésbica rejeita a dominação sexual/política masculina, ela desafia seu mundo, sua organização social, sua ideologia, e sua definição dela como inferior. Lesbianismo coloca a mulher em primeiro lugar enquanto a sociedade declara o macho supremo. Lesbianismo ameaça supremacia masculina ao seu núcleo. Quando politicamente consciente e organizado, é central em destruir nosso sexista, racista, capitalista e
imperialista sistema.
Lesbianismo é uma escolha política
A sociedade masculina define Lesbianismo como um ato sexual, o que reflete a visão limitada das mulheres: eles apenas nos pensam em termos de sexo. Eles também dizem que Lésbicas não são mulheres reais, logo, uma mulher real é aquela que é fodida por homens. Nós dizemos que uma Lésbica é uma mulher a qual o senso de si e de energias, incluindo energias sexuais, centram em torno de mulheres – ela é
identificada com/como/na mulher (Mulher-Identificada). A mulher-identificada com a mulher compromete a si mesma às outrasmulheres para suporte político, emocional, físico e econômico. Mulheres são importantes pra ela. Ela é importante pra si mesma. Nossa sociedade demanda que o comprometimento das mulheres seja reservado aos homens.
A Lésbica, a mulher-identificada com mulher, compromete a si mesma às mulheres mão apenas como uma alternativa aos relacionamentos opressivos homem-mulher, mas primariamente porque ela ama mulheres. Seja conscientemente ou não, pelas suas ações a Lésbica reconheceu que
dando suporte e amor a homens sobre mulheres, perpetua o sistema que a
oprime. Se mulheres não fizerem um comprometimento dumas com as
outras, que inclua amor sexual, nós negamos a nos mesmas o valor e
amor tradicionalmente dados aos homens. Nós aceitamos nosso status de
classe secundária. Quando mulheres dão energias primárias a outras
mulheres, então é possível concentrar-se plenamente em construir um
movimento para nossa libertação.
Lesbianismo identificado-em mulher é, então, mais do que uma
preferência sexual, é uma escolha política. É político porque relações
entre homens e mulheres são essencialmente políticas, elas envolvem
poder e dominância. Uma vez que Lésbicas rejeitam ativamente esses
relacionamentos e escolhem mulheres, ela desafia o sistema político
estabelecido.
Lesbianismo, por si mesmo, não é o suficiente
É claro, nem todas Lésbicas são conscientemente
mulheres-identificadas, nem são todas comprometidas em achar soluções
comuns para a opressão que elas sofrem como mulheres e Lésbicas. Ser
uma lésbica é parte do desafio à supremacia masculina, mas isso não é
o fim. Para a Lésbica ou mulher heterosexual, não há solução
individual para a opressão.
A Lésbica pode pensar que ela é livre uma vez que ela escapa da
opressão pessoal dos relacionamentos homem/mulher. Mas para a
sociedade ela ainda é uma mulher, ou pior, uma Lésbica visível. Nas
ruas, no trabalho, nas escolas, é tratada como inferior e está sob a
custódia dos caprichos e poder masculino. (eu nunca ouvi falar de um
estuprador que parou porque sua vítima era Lésbica). Esta sociedade
odeia mulheres que amam mulheres, e então, a Lésbica, que escapa à
dominância masculina em seu lar privado, recebe-a em dobro das mãos da
sociedade masculina, ela é assediada, isolada e calada ao máximo.
Lésbicas precisam se tornar feministas e lutar contra a opressão das
mulheres, assim como feministas precisam se tornar Lésbicas se elas
esperam pôr fim à Supremacia Masculina.
A sociedade estadunidense encoraja soluções individuais, atitudes
apolíticas e reformismo para nos manter aquém de revolta política e
afastados do poder. Homens que comandam e machos esquerdistas que
desejam governar tentam despolitizar sexo e as relações entre homens e
mulheres de forma a nos prevenir de atuar para pôr fim à nossa
opressão e desafiar seu poder. Assim que a questão da homossexualidade
se torna pública, reformistas definem-na como uma questão privada de
´com quem você dorme´ no intento de retroceder nosso entendimento das
políticas de sexo. Para a Feminista-Lésbica essa não é uma questão
privada, isso é uma matéria política de opressão, dominação e poder.
Reformistas oferecem soluções que mantém o poder nas mãos do opressor.
A única maneira que pessoas oprimidas coloquem fim a sua opressão é
por arrebatar poder: pessoas cujo poder depende da subordinação de
outras não irão voluntariamente parar de oprimir. Nossa subordinação é
a base do poder masculino.
Sexismo é a raíz de toda opressão
A primeira divisão de trabalho, na pré-história, foi baseada em sexo:
homens caçavam, mulheres construíam as vilas, cuidavam das crianças e
roçavam. Mulheres coletivamente controlavam a ilha, a linguagem, a
cultura e as comunidades. Homens eram aptos a conquistar mulheres com
armas que desenvolveram para caçar quando se tornou claro que mulheres
estavam liderando uma existência mais estável, pacífica e desejável.
Nós não sabemos exatamente como essa conquista tomou lugar, mas está
claro que o imperialismo original foi dos homens sobre as mulheres: o
homem clamando o corpo feminino e seus serviços como seu território
(ou propriedade).
Tendo garantido a dominação sobre mulheres, homens continuaram seu
modelo de supressão de pessoas, agora nas bases da tribo, raça e
classe. Apesar de que tenha havido numerosas batalhas sobre classee,
raça e nação passados três mil anos, nenhuma trouxe a libertação das
mulheres. Enquanto essas outras formas de opressão devem ser
terminadas, não há razão para acreditar que nossa libertação virá com
a destruição do capitalismo, racismo ou imperialismo de hoje. Mulheres
serão livres apenas quando se concentrarem em derrotar Supremacia
Masculina.
Nossa guerra contra supremacia masculina envolve, entretanto, atacar
as dominações atuais baseadas em classe, raça e nação. Como Lésbicas
que estão subtraídas de qualquer grupo, seria suicídio perpetuar essas
divisões feitas por homens entre nós mesmas. Nós não temos privilégios
heterosexuais, e quando nós publicamente assertarmos nossa
Lesbianidade, aquelas de nós que o fizeram perderam muitos de nossos
privilégios de classe e raça: muitos de nossos privilégios como
mulheres são concedidos a nós por nossos relacionamentos com homens
(pais, maridos, namorados) a quem agora rejeitamos. Isso não significa
que não há chauvinismo racista ou classista em nós mas nós precisamos
destruir essas divisões remanescidas de comportamento privilegiado
entre nós como primeiro passo acerca de sua destruição em nossa
sociedade. Raça, classe e opressões nacionais advêm de homens, servem
aos interesses da elite da classe de homens reinantes, e não têm lugar
em uma revolução de mulher-identificada.*
Lesbianismo é a ameaça básica à supremacia masculina
Lesbianismo é a ameaça à base ideológica, política, pessoal e
econômica da supremacia masculina. As lésbicas ameaçam ideologia da
supremacia masculina por destruir a mentira da inferioridade,
fraqueza, passividade da mulher, e por negar a necessidade ´inata´ de
mulheres por homens (até mesmo para procriação se a ciência da
clonagem for desenvolvida).
A independência Lésbica e recusa a suportar a um homem mina o poder
pessoal que homens exercem sobre mulheres. Nossa rejeição do sexo
heterosexualk desafia dominância masculina em sua forma mais
individual e comum. Nós oferecemos a todas mulheres algo melhor que
submissão à opressão pessoal. Nós ofrecemos o início do fim da
supremacia masculina coletiva e individual. Desde que homens de todas
raças e classes dependem de suporte e submissão femininos para
trabalhos práticos e sentimento de onipotência, nossa recusa a
submeter-nos irá forçar alguns a examinar seus comportamentos
sexistas, a quebrar com seus próprios privilégios destrutivos sobre
outros humanos e a lutar contra esses privilégios nos outros homens.
Eles terão que construir novos sentidos de ser que não dependam de
oprimir mulheres e aprendam a viver em esttruturas sociais que não os
dê poder sobre ninguém.
Heterosexualidade separa mulheres umas das outras, ela faz mulheres
definirem a si mesmas através de homens, ela força mulheres a competir
umas contra as outras por homens e os privilégios que advém por
intermédio deles e sua posição social. Sociedade heterosexual oferece
a mulheres poucos privilégios como comprensações se elas abrirem mão
de sua liberdade: por exemplo, mães são respeitadas e ´honradas´,
esposas ou amantes são socialmente aceitadas e dadas alguma segurança
econômica e emocional, uma mulher toma proteção física nas ruas quando
ela está com seu homem, etc. Os privilégios dão a mulheres
heterosexuaisum motivo.pessoal e político em manter o status quo.
A Lésbica não recebe qualquer desses privilégios heterosexuais uma vez
que ela não aceita a demanda dos homens dela. Ela tem poucos
interesses velados em manter o sistema político presente uma vez que
todas instituições – igreja, estado, mídia, saúde, escolas – trabalham
para mantê-la abaixo. Se ela compreender sua opressão, ela não tem
nada a ganhar suportando a América macha branca rica e muito a ganhar
de lutar para mudar isso. Ela está menos inclinada a aceitar soluções
reformistas para a opressão de mulheres.
Economias são uma parte crucial da opressão de mulheres, mas nossa
análise de relações entre capitalismo e sexismo não estão completas.
Nós sabemos que teoria econômica marxista não considera
suficientemente o papel de mulheres ou Lésbicas, e nós estamos
presentemente trabalhando nessa área.
De qualquer forma, como um início, alguma das formas como Lésbicas
ameaçam o sistema econômico são claras: nesse país, mulheres trabalham
para homens para sobreviver, no trabalho e em suas casas. A Lésbica
rejeita essa divisão de trabalho nas suas raízes; Ela recusa ser uma
propriedade de um homem, a submeter-se ao sistema de trabalho mal pago
de dona de casa e criação de crianças. Ela rejeita a família nuclear
como a unidade básica de produção e consumo em uma sociedade capitalista.
A Lésbica é também uma ameaça ao trabalho porque ela não é a mulher
passiva/turno-parcial trabalhadora com que capitalismo conta para
fazer trabalho enfadonho e ser parte de um suprimendo laboral
acumulativo. Sua identidade e suporte econômico não vêm de homens,
então seu trabalho é crucial e ela se preocupa com condições de
trabalhos, salários, promoção e status. Capitalismo não pode absorver
largo número de mulheres demandando emprego estável, salários
decentes, e recusando aceitar exploração de trabalho tradicional. Nós
não entendemos ainda os efeitos totais dessa insatisfação crescente de
trabalho que temos. Isso é, de qualquer forma, claro que uma vez que
mulheres se tornam mais intencionadas em tomar controle de suas vidas,
vão procurar maior controle sobre seus trabahos, por incrementar as
tensões do capitalismo e incrementar o poder das mulheres para mudar o
sistema econômico
Lésbicas devem formar nosso próprio movimento para reagir à supremacia
masculina
Lesbianismo Feminista, como a ameça mais básica à supremacia
masuclina, toma parte da análise do sexismo da Libertação das Mulheres
e dá a ela força e direção. A Libertação das Mulheres carece de
direção agora porque ela tem falhado em encarar classe e raça como
diferenças reais nos comportamentos de mulheres e necessidades
políticas. Enquanto mulheres heteros vejam Lesbianismo como uma
questão privada, elas contém o desenvolvimento de políticas e
estratégias que poderiam por um fim à supremacia masculina e elas dão
a homens uma desculpa pra não lidar com seu sexismo.
Ser uma Lésbica significa acabar com sua identificação, sua aliança,
sua dependência, e seu suporte à heterosexualidade. Significa acabar
seu envolvimento no mundo masculino tanto que você se une às mulheres,
individualmente e coletivamente, na luta para acabar com sua opressão.
Lesbianismo é a chave para a libertação e apenas mulheres que cortarem
seus laços com Privilégio Masculino podem ser acreditadas de
permanecerem sérias na luta contra dominância masculina. Aquelas que
se mantém ligadas a homens, individualmente ou em teoria política, não
se permitem jamais pôr mulheres em primeiro lugar. Não é que mulheres
heterosexuais sejam más ou não se importem com suas irmãs. Isso é
porque a vera essência, definição, e natureza de heterosexualidade é
homens em primeiro. Toda mulher experienciou aquela desolação quando
sua irmã poe seu homem em primeiro lugar ao final de um confronto:
heterosexualidade demanda que ela o faça. Enquanto mulheres ainda se
beneficiarem da heterosexualidade, receber seus privilégios e
segurança, elas irão em alguma hora ter de trair suas irmãs,
especialmente as irmãs Lésbicas que não recebem esses privilégios.
Mulheres na Libertação de Mulheres têm entendido a importância de ter
encontros e outros eventos apenas para mulheres. Tem sido claro que
lidando com homens divide- nos e drena nossas energias e que não é o
papel do oprimido explicar ao opressor a sua opressão.Mulheres também
têm visto que coletivamente, homens não vão lidar com seu sexismo até
que eles sejam forçado a isso. Mesmo assim, muitas dessas mulheres
continuam mantendo relacionamentos primários com homens
individualmente e não compreendem porque Lésbicas acham isso
opressivo. Lésbicas não podem crescer politicamente ou pessoalmente em
uma situação que nega a base de nossas políticas: que Lesbianismo é
político, que heterosexualidade é crucial para manutenção da
supremacia masculina.
Lésbicas devem formar nosso próprio movimento político na ordem de
crescer. Mudanças que vão ter mais do que efeitos simbólicos em nossas
vidas serão guiadas por Lésbicas mulheres-identificadas que entenderam
a natureza de nossa opressão e que estão por isso mesmo em posição de
acabá-la.
Charlotte Bunch
Para o Furies collective
_A Coletiva The Furies (As Fúrias) fundada em Washington D.C, no verão de 1971, era um coletivo de Lesbianas Separatistas. A agrupação reunia lesbianas feministas que se dedicavam a uma vida comum e a uma publicação lesbiana-feminista de mesmo nome onde davam voz às idéias do separatismo lésbico. O jornal era dedicado a fazer emergir uma análise e uma perspectiva teórica lésbica-feminista própria. No primeiro número em janeiro de 1972, a colaboradora e membra da coletiva, Ginny Berson, concebe que “O Sexismo é a raíz de todas opressões, e a opressão de mulheres e Lésbicas não terminará por meio da destruição do Capitalismo, Racismo e Imperialismo. O Lesbianismo não é uma questão de preferência sexual, e sim uma escolha política que cada mulher deve fazer se ela quer fazer-se mulher-identificada e, por consequência, terminar com a Supremacia Masculina”.
A Coletiva The Furies também foi um projeto de vida coletiva, tendo um espaço próprio que se encontrava em Washington na rua “11th SE”, e foi nos setenta um dos grupos de vivência comunal mais conhecidos no ambiente político da Liberação Gay. As 12 mulheres da coletiva constituíram um experimento que reunia lésbicas das mais diversas origens sociais e econômicas vivendo e trabalhando juntas, fazendo realidade no dia a dia suas visões políticas e sociais. A maior parte da coletiva escrevia para o jornal, que era distribuído em todo país._
O artigo “Lésbicas em Revolta” (originalmente “Lesbians in Revolt”) é a tradução do escrito de uma das membras, Charlotte Bunch, para o jornal The Furies, publicado no volume 1 em janeiro de 1972.