Pornografia é mais do que fantasia sexual. É violência cultural

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Pornografia é mais do que fantasia sexual. É violência cultural.

Texto original: Pornography is more than just sexual fantasy. It’s cultural violence.
Disponível em: goo.gl/nCG083

Por Julia Long
Tradução: Laryssa Azevedo

Dr. Julia Long ensina Sociologia na Anglia Ruskin University, em Cambridge. Ela é uma ativista feminista e autora de “Anti-Porn: The Resurgence of Anti-Pornography Feminism” (“O ressurgimento do feminismo antipornografia”). Em março de 2016, o governo do Reino Unido publicou a segunda edição da National Strategy to End Violence Against Women and Girls (Estratégia Nacional Para o Fim da Violência Contra Mulheres e Meninas). O documento é extremamente importante para ativistas britânicas antipornografia, pois reconhece que pessoas jovens em particular tem acesso ilimitado a conteúdo online e parte deste conteúdo pode ser danoso. Uma atual investigação governamental sobre assédio sexual em escolas e uma nova campanha interpartidária de combate à misoginia online destacaram as maneiras com as quais a pornografia contribui para e legitima atitudes negativas com impactos reais nas vidas de mulheres e meninas. É crucial entender a pornografia como forma de violência contra a mulher. A grande maioria do conteúdo é produzido e consumido por homens, com temas muito consistentes. As categorias dos conteúdos de dois dos mais populares sites de vídeos pornográficos – XHamster e Pornhub – revelam um sinistro padrão de infinitos cenários de dominância masculina e subordinação feminina, categorizados por atos específicos, partes do corpo feminino, raça e idade. Não é necessário um grande conhecimento de teoria cultural para compreender o significado social de imagens de mulheres sendo repetidamente penetradas em todos os orifícios ao som de “vagabunda”, “vadia” e “puta”. Entretanto, pensar além do discurso da “escolha”, do “empoderamento” e da “liberdade de expressão” que é invariavelmente usado pelos representantes da indústria para justificar tal conteúdo requer boa vontade. Esse discurso é uma tentativa de distrair a atenção da natureza da pornografia mainstream e acusar os que se opõem a seus danos como censores, antiliberais e, como sempre, hipócritas. Todavia, um exame do conteúdo mainstream revela que esses argumentos são um pouco além de uma defesa de interesses econômicos. Em primeiro lugar, pornografia mainstream consiste em atos socialmente aprovados de violência direta contra a mulher. O que seria visto como violência sexual e brutalidade em outros contextos é o que acontece na pornografia, como mulheres sobreviventes confirmam. Entretanto, pornografia não funciona simplesmente como uma arena na qual violência direta contra a mulher é aprovada e rotineira. Ela também funciona como uma forma do que o sociólogo Johan Galtung chama de “violência cultural”. Exibida nas histórias, a cultura expõe a si mesma – com seus textos, suas imagens – como “um aspecto da esfera simbólica que pode ser usado para justificar ou legitimar violência direta ou estrutural.” Uma das coisas nas quais a pornografia é extremamente eficiente é a promoção de um fluxo sem fim de narrativas nas quais mulheres são tratadas como objetos, violadas ou feitas para o sexo. Evidências cada ver mais consistentes associam o consumo de pornografia extrema aos mais odiosos casos de violência sexual, estupro e assassinato. Mas a violência cultural da pornografia geralmente é muito mais próxima de nossa realidade. As narrativas da pornografia não são simplesmente acessadas por usuários; elas também encontram um caminho para populares imagens culturais: a propaganda de jeans que replica uma cena de orgia; o comercial de perfume insinuando penetração na vulva depilada de uma mulher; o anúncio de lingerie que utiliza uma imagem “up-skirting” (prática na qual homens tiram fotos por baixo de saias e vestidos das mulheres sem que elas saibam). O que essas imagens fazem – e elas são muitas, nos outdoors, nas revistas, na internet – é nos dizer constantemente o que as mulheres são: que o corpo feminino é violável e está sempre disponível. A pornografia não é violenta apenas em sua produção; em um mundo onde violência contra a mulher é endêmica, a pornografia também serve para naturalizar e normalizar essa violência. Segundo Galtung, “Violência cultural faz com que violência direta e estrutural pareçam o certo – ou, pelo menos, não pareçam errado.” Os que alegam que pornografia é simplesmente “fantasia” sem desdobramentos reais terão problemas em explicar a prevalência da remoção de pelos pubianos entre mulheres ocidentais; o aumento dramático na demanda por labioplastia (cirurgia plástica de redução dos pequenos lábios); ou o fato de o sexo anal ser cada vez mais parte do repertório heterossexual, apesar de tanto homens quanto mulheres acreditarem ser doloroso e desagradável para mulheres. É inconvincente argumentar que a pornografia não influencia as normas sexuais atuais e que essas normas não envolvem a objetificação e violação do corpo da mulher. Dada a prevalência da pornografia e de imagens pornográficas na nossa cultura que valoriza extremamente a imagem, dizer que a pornografia não influencia na vida real seria como dizer que ser criado em um país de língua inglesa não define se um indivíduo vai ou não crescer falando inglês. Então, o que podemos fazer a respeito disso? No Reino Unido, é vital que políticas contra a violência contra a mulher pressionem por muito mais ações contra a prevalência e acessibilidade da pornografia. A Estratégia Nacional é começo importante, mas suas atuais propostas estão longe do ideal: Por exemplo, o objetivo ainda é apenas construir “resistência” entre jovens melhorando a educação sexual nas escolas, ao invés de reduzir ou regular a indústria de forma séria. E o documento não aponta o consumo de pornografia entre homens adultos como problemático. Grupos de ativistas precisam participar de conversas sobre violência sexual e destacar as formas pelas quais a violência cultural da pornografia está sendo prejudicial para todas as mulheres e meninas. No final das contas, a abordagem política e as soluções técnicas param por aí. Surpreendentemente, há evidências, aqui no Reino Unido, dde um crescente e revitalizado movimento feminista radical e claramente respostas mais revolucionárias à cultura da pornografia. Uma pequena, porém discernível minoria de mulheres jovens está cansada de assédio sexual no trabalho, machismo e relacionamentos com homens que não veem nada errado em se masturbarem vendo imagens de degradação feminina. Elas estão, de fato, começando a rejeitar relacionamentos com homens no geral, em favor de relacionamentos com mulheres. Talvez a revitalização de um movimento de feministas lésbicas prove ser o caminho para a libertação da cultura da pornografia para uma nova geração de mulheres.