A cosmopercepção indígena lesbofeminista diante do generismo capitalista. - yan maria castro

Uma perspectiva do lesbianismo feminista comunista indígena, por Yan María Yaoyólotl Castro [*]

A los pueblos-naciones indígenas de Abya Yala
Mulkan k´atun ch´akat uk´ah saskunah 2

O feminismo é inexplicável se não se insere como parte dos movimentos sociais que lutam contra as diferentes formas de opressão exercidas pelo sistema político-econômico patriarcal, sendo as mais gerais: sexismo, racismo, classismo, colonialismo e ecoexploração; abaixo deles está a opressão e exploração das mulheres.

Portanto, o feminismo é a resposta do setor social das mulheres à marginalização, subjugação, dominação e repressão que este sistema exerce contra elas para sua exploração, opressões sintetizadas no feminicídio: assassinato gradual ou opressões do mesmo (Radford e Russell, 1992) 3, que constitui o conjunto de estratégias e táticas que esse sistema historicamente utilizou para mantê-las sob controle, sancionando-os quando se recusarem a se submeter. Controle cujo objetivo é extorquir economicamente para apropriar-se da mais-valia (mais-valia-mulher) 4 que produzem com seu trabalho tanto intra-doméstico –sem qualquer pagamento- quanto extra-doméstico – mal pago-, ambos criadores de grande parte da riqueza social ou do capital 5 mundial.

Por outro lado, o feminismo socialista foi e continua a ser a proposta das mulheres com a humanidade para desmantelar e destruir essas estruturas patriarcais que oprimem tanto as mulheres como os homens e, portanto, o estabelecimento dos alicerces que possibilitaram e possibilitam a construção de uma nova sociedade justa em nível global e uma nova relação harmoniosa com a natureza em nível planetário.
O patriarcado, de forma alguma, se limita apenas ao sexismo ou misoginia dos homens contra as mulheres, como entendem as feministas de direita liberais para não tocar no sistema político-econômico de que são beneficiárias. Ao contrário, o patriarcado é constituído pelo conjunto de todas e cada uma das formas de dominação social e destruição da natureza articuladas como engrenagens do mesmo maquinário ou elos de uma cadeia, cujos componentes mais gerais são, como já foi dito: sexismo, racismo, classismo, colonialismo e ecoexploração 6, todos construídos sobre a opressão da mulher e do feminino positivo 7.

Por isso, o patriarcado, para além da opressão das mulheres, implica também a opressão dos homens sobre os outros homens, situando-os como “homens mulherizados” (homens feminizados), ou seja: escravos, servos, trabalhadores, proletários, camponeses, migrantes, indocumentados, negros, indígenas, empregados, deslocados, presos políticos, colonizados, terceiro-mundistas, entre muitos, que estão subordinados a outrem e sob seu poder. Isso nos permite compreender o vínculo profundo que existe entre a situação de subjugação das mulheres e a situação de subjugação dos homens oprimidos por outros homens, e entender porque a emancipação dos oprimidos depende em grande parte da emancipação das mulheres.

É importante antecipar que, embora em ordem de visibilidade iniciamos dos aspectos econômicos, políticos e sociais, seguidos pelos ecológicos e culturais e finalmente psicológicos, sexuais e espirituais, no final iremos inverter a ordem, sem invalidar a partir dos princípios do materialismo histórico dialético, mas ao tomá-lo de uma nova perspectiva indígena, lésbico-feminista, eco-etno-comunista, social espiritual que permite propor uma proposta de re-evolução humana integral a partir de uma cosmopercepção e praxis indígena gilânica comunista shambálica e Pachamama-pangeísta, que será mencionada no final deste texto.

As quatro correntes políticas do feminismo em oposição a “los feminismos”.

Desde a imposição definitiva da globalização neoliberal em nível mundial na última década do século passado, estabeleceu-se como politicamente correto falar de “feminismos” no plural, prática amplamente utilizada pela ideologia neoliberal pós-moderna, para parecer profundamente inclusivo e respeitoso com as diferenças. No entanto, quando se trata de falar de uma posição crítica baseada no marxismo, feminismo socialista, percepção indígena, nativa, racial ou do terceiro mundo, estes são arbitrariamente desqualificados como “fundamentalistas ou essencialistas”. Portanto, essa afirmação constitui um engano e uma armadilha: não busca inclusão, mas fragmentação; não o respeito pelas diferenças, mas a homogeneização; e não a eliminação do essencialismo, mas uma nova forma de fundamentalismo: o relativismo absoluto. Os ditos plurais destinam-se a misturar elementos opostos uns aos outros; apresentar uma proposta de aparente abertura à diversidade, que no fundo é a homogeneização; construir articulações de pensamento sofisticadas e complexas de modo que sejam ininteligíveis para os oprimidos-explorados ou usar uma linguagem radical, rebelde e aparente “contra o sistema” para manter cooptados os setores sociais mais radicais. Isso para esconder o fato de que uns poucos se beneficiam da exploração de todos os outros, ou seja, uma minoria em detrimento da maioria e, portanto, evitam a rebelião desta.

O pensamento pós-moderno nada mais é, na verdade, do que a expressão da modernidade em declínio, ou seja, do capitalismo em agonia, pois questiona a modernidade, mas superficialmente, sem atingir sua essência, porque no fundo a maioria dos ideólogos pós-modernos desejam continuar a manter o referido sistema do qual, embora com limitações, são beneficiários.

Por tudo isso é importante esclarecer que os “feminismos” não existem no abstrato, difuso e ambíguo; tantos feminismos quanto feministas no planeta é um subjetivismo absoluto. Ao contrário, atualmente podem-se identificar quatro grandes correntes do feminismo claramente delimitadas em nível internacional, em que todos os movimentos, organizações, grupos e mulheres podem ser situados individualmente sem cair no reducionismo ou no essencialismo, mas sim na realidade concreta. Essas correntes baseiam-se na classificação das tendências políticas que foi feita nas décadas de 1960 e 1970 dentro do movimento feminista, que coincide com a explicação por Lubara Guílver e Roger De Gaimon no prefácio do livro A Questão Homossexual do Comunista Francês Jean Nicolás no final dos anos setenta, e quem são: o reformista, o radical e o revolucionário, isto é, o liberal, o anarquista e o socialista; responder à divisão das classes sociais, única forma de classificá-las.

Essas três definições foram aplicadas por feministas socialistas a fim de localizar as diferentes posições políticas de cada movimento, organização, grupo ou mulher individualmente dentro do feminismo. Mas essas definições foram opostas tanto pelo feminismo pequeno-burguês – que se limitou a falar sobre “feminismo em geral” no abstrato e indefinido para não revelar sua verdadeira face pró-capital-imperialista (feminismo da igualdade) – tanto pelo feminismo anarquista ou libertário, que defendia que cada mulher tinha sua autodefinição, rejeitando as definições como autoritárias por restringirem a liberdade individual de expressão (feminismo da diferença).

Vale ressaltar que o mesmo aconteceu com os outros grandes movimentos sociais desenvolvidos após a Segunda Guerra Mundial e particularmente durante as décadas de 1960 e 1970, invalidados e combatidos primeiro pelo pensamento liberal essencialista e universalista moderno e posteriormente pelo pensamento pós-neoliberal e pós-moderno: multiculturalista, multiétnico, pansexual, nômade, tribalista, cibernético, queer, etc., apoiado na ideologia da “diversidade”. Diversidade destinada a destruir as fortes identidades político-sexuais, raciais, étnicas, de classe, de povos e de nações, entre outras, que os grandes movimentos sociais criaram. A invalidação visa desmontar movimentos de baixo e de dentro por meio de processos de fragmentação e desarticulação, ou seja, “diversificação” e posteriormente, desconstrução, “desidentificação” (dissolução de identidades) por meio de sua queerização (Teoria Queer [TQ])8.

Desde a década de 1990, essas três tendências foram conduzidas pela globalização neoliberal a seus extremos, através do abismo cada vez mais profundo que ela abriu entre a alta concentração da riqueza de poucos e a extrema pobreza da grande maioria. Isso permitiu a inclusão de mais uma quarta tendência, que não poderia ser acrescentada até o início do século 21, quando o feminismo pequeno-burguês ou a direita feminista (transformada em “generismo” 9) começaram a se fundir organicamente com o sistema patriarcal capitalista, a princípio como feminismo liberal ou reformista; depois como feminismo institucional e oficial e depois como feminismo corporativo ou estatal, isto é, a patriarcalização do feminismo. Criando assim o feminismo capitalista-imperialista, burguês, plutocrata, conservador, institucional, tecnocrático, estatista, ocidental, racionalista, urbano, branco ou caiado, de direita.

1: Feminismo burguês, capitalista, conservador ou liberal plutocrata, totalitário, institucional, de direita.
2: Feminismo pequeno-burguês, pró-capitalista, liberal parlamentário, democrata, reformista, de centro.
3: Feminismo proletário, socialista ou comunista, revolucionário ou reformista, proletário, de esquerda.
4: Feminismo lumpemproletario, populista anarquista ou libertário, radical, anti-institucional e anti-poder, nem de direita nem de esquerda.

Quarto feminismo, que para fazer parte do sistema mudou seu nome para “genericismo” para poder se separar do caráter político do feminismo e, particularmente, de seu caráter de esquerda, permanecendo como no quadro da página seguinte, que é um tema de abordagem para aperfeiçoar.
Essas quatro definições foram rejeitadas como essencialistas ou fundamentalistas pelas feministas burguesas pós-neoliberais pós-modernas, argumentando que não existem essências, entidades fixas ou permanentes porque tudo é mutável e eternamente mutável (relativismo absoluto) e porque a essência da diversidade é a diversidade é a flexibilidade, pluralidade, mistura, multiplicidade, migração, nomadismo, impermanência e, portanto, a impossibilidade de definição, resultando na dissolução das identidades.

Mas, na realidade, a oposição a essas definições se deve ao fato de que: 1. Não é conveniente para as feministas burguesas serem colocadas na primeira categoria para não mostrar seus privilégios econômicos e sua verdadeira filiação política com o sistema capital-imperialista; 2. Não é conveniente para as feministas pequeno-burguesas se situarem no segundo para não mostrarem suas pretensões econômicas para se inserirem e se posicionarem no sistema econômico político patriarcal capitalista e, portanto, serem classificadas como colaboracionistas, rendidas, integracionistas, escaladoras e carreiristas (principalmente nos órgãos governamentais, acadêmicos, intelectuais, organizações internacionais, universidades, meios de informação e ONGs, entre outros); 3. Feministas lumpemproletárias e lumpemburguesas não concordam com qualquer tipo de definição porque não aceitam a organização, estrutura, hierarquia, autoridade, normatividade, disciplina, liderança, programas e planos de ação por serem autoritárias, violando a liberdade de expressão e ação de cada pessoa; 4. E, por último, feministas oportunistas, porque na falta de toda honestidade, coerência, congruência, ética e compromisso, não é conveniente para elas mostrarem seus interesses econômicos pessoais e individuais permanecendo em um “centro indefinido”, a fim de se inclinar para a direita ou para esquerda como lhes convém (posição chamada patriarcismo: de Patria Jiménez, primeira deputada gay {a própria autora escreveu gay em vez de lésbica} da América Latina).

O surgimento da quarta corrente explica porque desde os anos 90 o único “feminismo” que teve visibilidade tem sido o burguês capital-imperialista, devido ao seu desenvolvimento dentro de organizações internacionais ou governos locais, ou pelo apoio que recebe de financiadores transnacionais (sem questionar ou endossar suas políticas imperialistas); feminismo formado por mulheres privilegiadas intelectuais, políticas, acadêmicas e mulheres (ONG). E também explica por que tantos movimentos sociais indígenas, de cor, raça, camponeses, operários, migrantes, refugiados, proletários, povos em luta, bem como organizações revolucionárias ou povos armados, rejeitam totalmente o “feminismo”, identificando-o como um movimento pequeno-burguês, branco, ocidentalizado, urbano, pró-capitalista e pró-imperialista.

Diante do perigo que o feminismo socialista ou comunista tem representado por um lado devido ao seu caráter antipatriarcal e anticapitalista e, por outro, o feminismo anarquista ou libertário devido ao seu caráter antiestado e antiinstitucional, o sistema capitalista patriarcal desenhou uma tática para confundir as mulheres que trabalham com essas duas correntes políticas, ou seja, com trabalhadoras, camponesas, populares, diaristas, indígenas, migrantes, empregadas, desempregadas, exiladas, deslocadas, subempregadas, refugiadas, donas de casa, trabalhadoras do sexo, presas políticas, guerrilheiras, etc., para as desviar das referidas correntes. Essa tática consistia em usar falsas correntes, tanto socialistas quanto anarquistas, controladas por organismos internacionais ou governos locais, agências de cooperação, fundações privadas, universidades, ou criadas diretamente pelo sistema: governos, departamentos de inteligência, polícia ou forças militares. Com o objetivo de controlar, cooptar ou desmantelar correntes feministas realmente radicais ou revolucionárias sem a necessidade de repressão direta por parte dos órgãos repressivos institucionais.

O que foi dito acima mostra que há uma profunda luta de classes dentro do próprio movimento feminista entre os feminismos imperialistas burgueses e pequeno-burgueses (atualmente chamados de generistas) contra os feminismos da classe trabalhadora ou proletária e da classe popular ou lupemproletária. O que explica porque o feminismo capital-imperialista é anti-movimento e pró-instituições, devido que a sua tarefa é prevenir a formação ou crescimento do movimento feminista e das organizações de mulheres, submetendo aquelas que surgem ao controle das instituições governamentais. Em outras palavras, sua função é impedir que organizações autônomas ou independentes sejam estabelecidas.

A conversão do feminismo em generismo

O gênero é parte dos mecanismos de controle da ideologia pós-moderna dentro do movimento feminista. Por essa razão, o sistema capitalista patriarcal criou uma divisão entre as feministas (luta de classes entre elas), possibilitando que uma minoria privilegiada ganhasse o poder, mas cobrando seu tributo sobre o resto das feministas e das mulheres em geral. Assim, para que alguns pudessem subir, a maioria teve que descer; para que alguns pudessem subir, outros tiveram que descer; para que alguns pudessem se desenvolver, o resto teve que se subdesenvolver, sendo essa a lógica do capital. Na verdade, o feminicídio é justamente a conta que o sistema cobra das mulheres proletárias, pobres, populares, negras, indígenas, migrantes etc., para que umas poucas mulheres privilegiadas possam acessar os escalões superiores do poder. Por isso, o feminismo de gênero se afastou do feminismo, isto é, das mulheres! (que constituem a essência do feminismo) para poder se transformar em generismo institucional e estatal, para se desenvolver amplamente dentro da lógica do sistema capitalista patriarcal, reduzindo-se ao desenho de políticas públicas para evitar que a opressão das mulheres se transborde e ponha em risco a estabilidade do sistema, perpetuando assim sua opressão. No entanto, ele continua a usar ocasionalmente o epíteto “feminista” para cooptar e confundir as mulheres.

O uso de “diversidade e inclusão” para quebrar a autonomia do movimento feminista

Uma manobra para acabar com o feminismo (radical ou revolucionário) tem sido a quebra de sua autonomia, que constitui o pilar fundamental de qualquer movimento social. Romper, através da inclusão, por um lado, de homens “trans” na participação ativa nas decisões das mulheres e, por outro, de pessoas não-feministas porque ignoram o que é feminismo, não se interessam, são neutros, apolíticos, indefinidas ou são “feministas de direita” ou outras que lucram com o feminismo a nível teórico (intelectuais feministas) e que nunca se comprometeram na prática com as reais necessidades das mulheres, tais como: prevenção da gravidez, contraceptivos e aborto; câncer cervical e de mama; maternidade; salários do trabalho doméstico, socialização do trabalho doméstico e contra a exploração da dupla jornada de trabalho; direitos civis e trabalhistas; contra a violência conjugal, assédio e intimidação no local de trabalho; contra estupro, incesto, pedofilia, sequestro, tráfico e feminicídio, entre muitos outros. Deve ser lembrado que quando as feministas socialistas levantaram no México durante os anos setenta a participação de companheiros da esquerda revolucionária socialista e comunista que estavam verdadeiramente comprometidas com a luta das mulheres – apenas como observadores em debates feministas – sua presença foi categoricamente negada.

Um exemplo dessa ofensiva foi representado pelas queer-trans careosardistas (Gloria Careaga e Alejandra Sardá), que invadiram os espaços feministas para romper com o feminismo, e claro com a complacência do generalismo (“feministas” imperialistas capitalistas). Elucidando que não tem sido os parceiros transexuais, mas este grupo político em particular que em sua maioria não são transexuais, mas transgêneros porque não realizam redesignação sexual porque não querem perder o prazer –E o poder– que o pênis os representa, muitos dos quais buscam apenas receber recursos que organismos e agências internacionais destinam às mulheres para a prevenção do câncer do colo do útero ou de mama, para abrigos para mulheres vítimas de violência doméstica ou estupro, para projetos atividades produtivas para mulheres camponesas e indígenas, para programas de formação de mulheres pobres e indigentes, etc., privando-as desses recursos.

O neo patriarcado e a teoria queer

O neo patriarcado capitalista, através de uma grande maioria de cientistas sociais pós-modernos, pós-neoliberais, construcionistas sociais radicais e pós-estruturalistas, criaram contra o feminismo uma arma mais letal que o generismo: a teoria Queer (tQ). Arma ideológica despojada aos agrupamentos e comunidades marginais que se contrapunham ao sistema social dominante e que questionavam o generismo e a gaycidade como formas integracionistas ao sistema, setores de classe média privilegiados, brancos ou branqueados, profissionais institucionais, pró-capitalistas.

A queeridade (teoria Queer) se propôs: 1. Desviar metade da humanidade, as mulheres, da possibilidade de contar com um movimento político que lutava por sua emancipação; 2. Dispersar as mulheres e os setores sociais marginalizados ao despojá-los de sua identidade firme, sólida e clara, ao fragmentá-las a uma multidão caótica de anti-identidades plurais, múltiplas, movíveis, nômades e flexíveis; 3. Invalidar o feminismo ao mostrá-lo como uma proposta caduca, atrasada, extemporânea, a-histórica, essencialista e fundamentalista, totalmente ultrapassada pela realidade atual e, finalmente; 4. Desprestigiar e invalidar o feminismo lésbico ao acusa-lo de sectário e separatista por defender a autonomia política do movimento feminista. Desta maneira, está buscando desarticular, desmantelar e fragmentar as fortes comunidades e organizações de setores e minorias marginalizadas, racializadas, desempregadas, migrantes, de cor, étnicos, ilegais, subempregados, em situação de incapacidade, sexo-dissidente, entre muitos que representam um perigo potencial para os interesses hegemônicos do sistema neopatriarcal capitalista, principalmente dos norte-americanos.

O propósito desse sistema é chegar a um “feminismo sem mulheres” 10, não ao fim do feminismo ou a morte do mesmo, se não a um feminismo vazio de seu conteúdo inicial e preenchido de um conteúdo contra a mulher, privando-as do único que representava sua proteção e abandoná-las a sua sorte; cooptando-as, porque é a maneira mais efetiva de manter controlada esta metade da humanidade. Isto resulta em criminalidade face à brutalidade em um grau cada vez mais selvagem de violência que sofre este setor social sob a globalização pós-neoliberal, com o abandono da metade da humanidade, especialmente mulheres e meninas dos países submetidos ao imperialismo, assim como também das pobres e de cor dentro do Primeiro Mundo.

O vínculo do feminismo com as demais realidades e lutas sociais

Na segunda metade da década de 1960 o movimento feminista iniciou com duas tendências: (a) aquela que além das opressões de sexo, tomava em conta as outras opressões que sofriam as mulheres e moldou o que poderia ser a esquerda do movimento, além do movimento comunista de mulheres e, (b) aquela cuja oposição de mulheres brancas, de classe média, que tem certo nível educativo em países imperialistas foram impedidas de perceber as demais realidades que viviam outras mulheres e que por tanto, desenvolveram uma perspectiva unicamente sexual excluindo a situação de raça, classe e nacionalidade e que contentou o início dos movimentos da direita.

Contra a segunda tendência e parte da primeira, as mulheres negras somaram ao conceito de “raça”; as mulheres trabalhadoras de “classe” e às terceiramundistas ao de “nacionalidade”. Surge então a noção de “sexo, raça e classe” nitidamente sintetizadas por Angela Davis e, pouco mais adiante, as terceiramundistas somaram ao de nacionalidade e as ecológicas ao de ecologia. Mais tarde, as mulheres indígenas também agregaram ao de “etnia” e as migrantes ao de “migrante”. De maneira similar iriam agregando outras opressões específicas, como ama de casa, desabrigadas, exiladas, refugiadas, indocumentadas, periféricas (apartheid), presas políticas, desaparecidas, raptadas, vítimas de tráfico, sobreviventes de conflitos bélicos, entre muitas outras. E também outros tipos de opressão, como idade(etarismo); meninas e meninos, anciãs e anciãos; capacidades especiais ou invalidez; grau de escolaridade, analfabetismo, educação mínima. Inclusive, pela aparência física: gordura, magreza, altura, beleza ou feiura, anorexia, bulimia, assédio moral no trabalho (mobbing), etc. Assim surgiram todas as demais opressões, enquadradas em todas as Opressões Humanas (tOH).

É muito importante esclarecer a respeito de que estas seis realidades tem sido terrivelmente mal utilizadas e manipuladas pela ideologia patriarcal capitalista da “diversidade” e, sobretudo, pela teoria queer (tQ), ao fragmentar e dividir aos diferentes setores sociais sob o conceito de “diluição das identidades”, ocultando-os em uma infinidade de opressões difusas e indefinidas para torná-los sem conexão e evitar que se identifiquem entre si, em lugar de os articular em um todo coerente respeitando suas especificidades, sua autonomia, sua auto organização e autogestão.

A luta da mulher e as demais lutas sociais

Como já foi dito, a opressão das mulheres não pode ser reduzida unicamente ao fato de ser mulheres, porque a imensa maioria destas no planeta padece além disso, outras formas de opressão e discriminação social, lutando dentro do feminismo e, além do mais, dentro de outros movimentos sociais, como os raciais, os étnicos, os de classe e/ou os coloniais, enfrentando uma dupla, tripla e até quádrupla luta social.

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O patriarcado, a síntese das cinco opressões sociais e da natureza

Em síntese, com esses seis elementos podemos estabelecer os links que compõem a cadeia do patriarcado como o conjunto de todas e cada uma das formas de opressão social e da natureza: sexismo, racismo, classismo, colonialismo, a ecoexploração e as demais formas de opressão humana, sob as quais está subjacente a opressão das mulheres e do feminino positivo:

Sexismo: Contra as mulheres; misoginia e lesbofobia; os papéis sexuais; imposição da divisão sexual do trabalho; as sexualidades: homofobia, bifobia, transfobia, heterofobia, interfobia, onanismo, sexo entre crianças, sexualidades não opressivas (SexNoOp) 12; o controle estatal da sexualidade: família, casamento, monogamia, religião ou governo.

Racismo: Contra as raças, cor ou características de origem genética; as etnias ou povos originários, proprietários de terras de origem; contra as línguas, formas de expressão, grau de escolarização, tradições culturais.

Classismo: Contra a classe trabalhadora em geral, incluindo as donas de casa ou trabalhadoras domésticas; a classe trabalhadora organizada proletária e obreira sindicalizada, federações, confederações; a classe trabalhadora não organizada, subempregados, jornaleiros, autônomos, desempregados, migrantes.

Colonialismo: Contra os países colonizados, invadidos pelos países colonizadores ou imperialistas; as regiões estratégicas para fins comerciais ou militares; as regiões ricas de recursos naturais comercializadas pelos países colonialistas ou imperialistas;

Ecoexploração: Contra a natureza; promover a pecuária devastando áreas verdes ou a imposição de transgênicos; do meio ambiente e da biosfera devido à contaminação ambiental, à industrialização e às usinas nucleares; a devastação e o esgotamento da água, da terra e da natureza através de empresas colonialistas lucrativas.

Diante da noção tão fundamental e indispensável da noção de patriarcado, não somente para o feminino mas também para todas as lutas sociais, o sistema patriarcal criou uma estratégia para se ocultar utilizando cientistas sociais patriarcais para negar e invisibilizar sua existência, com o propósito de desarmar o feminismo, por exemplo através do generismo, que substituiu o patriarcado pelo sistema sexo/gênero e posteriormente através da teoria queer, que substituiu o patriarcado por dispositivos de poder e heteronormatividade. Paradoxalmente, foram teóricas mulheres as que impulsionaram essas iniciativas, mas mulheres com estrutura mental patriarcal; entre as que mais se destaca está a sadomasoquista queer Gayle Rubin, criadora do sistema sexo/gênero, de onde derivou a perspectiva de gênero; a sadomasoquista transexual de mulher à homem Patrick Califia; as transgêneros nem homem nem mulher, Beatriz Preciado ou Judith Butler, principais teóricas queer, entre outros, cujo objetivo foi desviar as mulheres do feminismo e subordiná-las à lógica neopatriarcal. Não somente isso: também se propuseram a “genitalizar” as lutas sociais, raciais, étnicas, de cor, migrantes, de trabalho, nacionais, situações físicas, etc. para confundi-las, desviá-las , e submetê-las ao sistema.

O Babel-sex, o sexo da confusão

Essas iniciativas confirmam o que se chama de Babel-sex, o sexo da confusão. Iniciativa promovida pela indústria sexual (ISex) que, junto com os consórcios armamentistas, o tráfico de pessoas, a lavagem de dinheiro, o narcotráfico, o roubo da biodiversidade e germoplasma, o tráfico de diamantes, a venda ilegal de produtos químicos proibidos, a produção nuclear, o tráfico de órgãos, o roubo de códigos genéticos, etc. constituem as novas empresas multinacionais que controlam os governos do mundo. Indústria sexual que, sob o discurso da “liberdade sexual”, esconde as empresas capitalistas que criaram novas formas de escravidão sexual, que submeteram à sociedade civil, às mulheres pobres, migrantes de cor, indígenas, trabalhadoras do terceiro mundo e, sobretudo, às meninas. Enquanto os homens e mulheres patriarcalizados dos países imperialistas satisfazem seus desejos, fantasias e prazeres utilizando essas escravas e escravos sexuais.

A contrarrevolução feminista

O feminismo dos anos sessenta e setenta, chamado pejorativamente de “setenteiro”, formou parte dos grandes movimentos sociais anti racistas, anti capitalistas, anti colonialistas, contraculturais, antirreligiosos, anti ecocidas, contra a medicina institucional, anti religiões, anti imperialistas e anti etnocentristas. Também teve uma forte influência de e nas diferentes correntes políticas radicais ou revolucionárias prevalecente na dita época, como: o socialismo e inclusive o comunismo, o populismo, o anarquismo, o liberalismo, o ecologismo, e o terceiromundismo, as lutas nacionalistas-populares e dos povos armados. E, da mesma forma, recebeu contribuições de medicamentos tradicionais e práticas espirituais que pela primeira vez chegaram do Oriente ao Ocidente, incluindo a cultura e espiritualidade da América indiana como parte do Oriente e espiritualidades sociais ou de base cristã.

Entre algumas das feministas que mais se destacam nessa época estão Riane Eisler (1987), Marija Gimbujas (1974) ou Evelyn Reed (1977), com o descobrimento da passagem do matriarcado ao patriarcado; Selva James e María Rosa Dalla Costa e outras socialistas, com o descobrimento da exploração da mulher através do trabalho doméstico, da dupla exploração e da dupla jornada de trabalho; Susan Brownmiller (1975) sobre o estupro; Catherine MacKinnon (1979) sobre o abuso sexual; Andrea Dworkin (1981) sobre a pornografia e Zillah Eisenstein (1978) sobre a exploração do trabalho das mulheres e sua importância econômica; Jill Radford e Diana Rusel (1992)sobre o feminicídio, entre muitas outras.

Contra esse feminismo de orientação esquerdista ou esquerdizante13, o sistema patriarcal capitalista foi criando paulatinamente sua contrapartida: o feminismo de direita ou contrafeminismo, expressado no generismo. Esse último começou seu projeto em meados dos anos 70 mas levou a cabo seu ataque durante os anos 80 nos Estados Unidos através das chamadas “guerras femininas do sexo”, sob a proteção da ascensão da direita naquele país. O contrafeminismo ganhou sua primeira batalha nos anos noventa, paralelamente à queda da União Soviética e o ingresso desta à dinâmica capitalista e à crise consecutiva da esquerda internacional e, portanto, a imposição a nível mundial do modelo econômico da globalização neoliberal. A segunda ofensiva do contrafeminismo (supostamente contra o binarismo genérico) se iniciou no início dos anos noventa, mas apresentou seu ataque abertamente no início do ano 2000 através da diversidade sexual e particularmente da teoria queer, em plena ofensiva do imperialismo norte-americano a nível mundial contra os países submetidos a esse. Mais adiante, durante a primeira metade da década de 2010, iniciou uma nova batalha que junta às duas anteriores: a generista de caráter institucional e a queer de caráter popular ou de massas, que pode se denominar: as “guerras feministas de identidades”. Até o final da segunda metade do decênio 2000 se iniciou a ofensiva (queer-trans) e ciborgue 14 que poderia se denominar: “a guerra trans-ciborgue contra o feminismo”, com o propósito de aniquilá-lo ao contrário de mudá-lo.

O objetivo das guerras anti feministas tem sido: I. Voltar a invisibilizar as mulheres e portanto invisibilizar sua opressão histórica (assim como invisibilizaram a opressão de raça, etnia e povos-nações não brancos, da classe trabalhadora e dos países submetidos ao imperialismo), reduzindo a exploração de mulheres a simples “assimetrias ou inequidades” para se resolver através de políticas públicas ou acordos internacionais (TLC) sem transformar a raíz do sistema social; II. Continuar com a exploração das mulheres através da mais-valia-mulher mas ocultando novas formas, como a igualdade de direitos civis ou igualdade de trabalho ou a coparticipação da família na distribuição dos afazeres domésticos; III. Confrontar as feministas entre si para continuar desarticulando o movimento ao criar duas classes diferentes entre essas: a classe das feministas burguesas com poder (FcP) como parte do novo patriarcado e a classe das feministas despojadas de poder (FdP) como parte dos oprimidos e, paralelamente, a apropriação do feminismo mudando-o exatamente no seu oposto: o antifeminismo (como fez o Império Romano com o cristianismo ou o estalinismo com o socialismo). Todo ele sustentado em correntes pós – estruturalistas e construcionistas sociais, particularmente a chamada dissidência sexo política, com base em Michel Foucault e a influência de intelectuais com uma visão misógina, como Nietzsche, ao omitir ou ignorar a realidade da opressão das mulheres – metade da humanidade – ou de intelectuais como Derridá, Deleuze, Guattari, ou Lacan, ao omitir ou ignorar as propostas do movimento feminista a que tinham acesso.

Essas ideologias misóginas (por omissão, ignorância, desprezo, marginalização ou ódio às mulheres) tiveram um grande auge, por um lado nos grupos gays intelectuais, políticos acadêmicos e empresariais e, por outro lado, em grupos lumpemproletarios nota e lumpemburgueses nota de agrupamentos ou comunidades de minorias marginalizadas anti normativas, anti disciplinárias, antiautoritárias, anti institucionais, antipoder e anti estado – nesse caso, anti heteronormatividade -, muitas das quais são caotizantes (caóticas), sem base ideológica e com uma prática política espontaneísta, intermitente e voluntarista (quando desejam fazer algo), caldo de cultivo para o surgimento das posturas queer.

Livre mercado, livre sexualidade

O generismo é um produto do modelo econômico neoliberal (impulsionado pelo economista judeu norte-americano Milton Friedman da escola monetarista a favor do livre mercado sem intervenção do estado, contra o modelo anterior keynesiano de mercado misto com intervenção do estado). O generismo derivou diretamente das posições ideológicas das políticas liberais do feminismo de direita, porque este feminismo sempre pretendeu chegar a ser parte do sistema patriarcal. Esse modelo foi imposto pelo imperialismo norte americano em todos os países submetidos a ele, aproveitando a conversão definitiva da URSS ao capitalismo que deu como resultado o fim do mundo bipolar, ficando um mundo unipolar. Essa situação repercutiria a nível ideológico na luta contra as concepções bipolares do mundo, dicotômicas, duais ou dialéticas, chamadas pejorativamente de “sistemas binários”, combatidas ferozmente pelas ideologias queer, cuja principal expoente é a filosofa pequeno-burguesa pós-estruturalista e pós-feminista Judith Butler.

A ideologia do livre mercado foi o fundamento para criar as bases conceituais da “sexualidade livre” ou liberdade sexual total, sem limites, normas nem fronteiras, pilar da ideologia da diversidade sexual ou mercado da diversidade sexual (MDS). O MDS é um conjunto ou a revolta de todas as sexualidades, práticas ou identidades sexuais: o sadomasoquismo (S/M); relações de dominação/submissão(BDSM); 24/7 (dominação/submissão 24h por dia 7 dias na semana); a homossexualidade, lolismo, bizarro, bissexualidade, pederastia, zoofilia, transexualidade, voyerismo, bi, bareback nota, estupro, intersexualidade, coprofilia nota, incesto, orgia, swingers, pornografias, bebismo, prostituição de mulheres por necessidade ou escravidão sexual, turismo sexual, pornografia infantil, assédio sexual no ambiente de trabalho, cine gore nota, vídeo snuff nota, feminicídio, etc. Esse mercado não por casualidade é impulsionado por homens gays e heterossexuais e por mulheres patriarcalizadas, pequeno-burgueses, brancos ou embranquecidos, institucionais ou dissidentes, urbanos, tecnocráticos, intelectuais e acadêmicos pós-modernos ou lumpemproletários ou lumpemburgueses.

Por essa razão, atualmente, privam as práticas sexuais sem normas, quer dizer, o liberalismo ou capitalismo puro, cujo único limite é a mais vil mentira e enganação do “consenso”. Consenso inicialmente inventado para separar o sadomasoquismo de violência consensual masoquista da violência não consensual. Consensuar significa negociar de mútuo acordo, livre e voluntariamente uma sessão de dominação/submissão (D/S ou BDSM 15) sobre o princípio: SSC: safe, sane and consensual, seguro, sensato e consensual. Mas dito consenso é um engano perverso da ideologia liberal neo patriarcal capitalista que aparenta a existência de “uma decisão livre, consciente e voluntária” nas relações de violência, para conseguir carne humana, principalmente de mulheres assim como de meninas e meninos jovens enganados, obrigados por necessidade ou simplesmente raptados do Terceiro Mundo e de raças, etnias oprimidas ou migrantes dos países colonizados. Mas em uma sociedade controlada ideologicamente pelos meios massivos de comunicação, a universidade, a intelectualidade, a religião, órgãos internacionais e governos e todos eles, por sua vez, controlados pelas empresas multinacionais, ou seja, pelos capitalistas, que consenso pode existir?

O sadomasoquismo, fundamentado no consenso defendido pelas “feministas sadomasoquistas” como Gayle Rubin e Pat Califia, constitui um ataque direto ao feminismo mas também às mulheres mesmas, às mulheres reais e concretas: obreiras, camponesas, jornaleiras, negras, indígenas, migrantes, pobres, deslocadas, dos países subjugados ao imperialismo; submetidas à violência conjugal cotidiana; ao estupro, o rapto, o sequestro ou o desaparecimento de mulheres, meninas e meninos, o abuso infantil, o incesto, a pederastia, a pedofilia, a prostituição por necessidade, etc. tudo isso, sem consenso.

Os “feminismos antifeministas”

Antifeministas a favor da pornografia, prostituição e sadomasoquismo versus feministas contra pornografia, prostituição e sadomasoquismo.

A década de 1980 é um período muito importante de transição porque representa o passo de um feminismo radical e revolucionário a um feminismo reformista e reacionário e, portanto, o declínio de um feminismo com um forte potencial de transformação social e a subida de um feminismo totalmente integrado ao sistema.

Nessa mesma década se desenvolveram, como já notado, em Estados Unidos as nomeadas “guerras feministas do sexo” ou “guerras feministas prosexo e antisexo”, incluindo a mal nomeada “revolução sexual lésbica”. Nestas se enfrentaram duas posições: as feministas, que lutavam contra a pornografia,a prostituição e o sadomasoquismo, e as antifeministas, que lutavam a favor da pornografia, da prostituição e do sadomasoquismo. A luta focou principalmente em torno de duas organizações: o movimento Mulheres Contra a Violência Pornográfica nos Meios (Women Against Violence in Pornography and Media (WAVPM) e o grupo de mulheres sadomasoquistas Samois 16.

Mas, na realidade, esta guerra de baixa intensidade (GBI) foi um ataque do sistema neo patriarcal capitalista contra o feminismo através de um grupo de mulheres patriarcalizadas, cujo objetivo era romper desde dentro ao forte feminismo de esquerda que estava tendo um grande desenvolvimento ao lado dos demais movimentos sociais. Do lado das feministas estavam, por exemplo, Catherine MacKinnon, Andrea Dworkin, Robin Morgan, Susan Brownmiller, Sheila Jeffreys e outras feministas socialistas, acusadas de radicais e separatistas. E do lado das antifeministas estavam principalmente Gayle Rubin e Pat Califia e o grupo de sadomasoquistas Samois.

Finalmente, ganharam a batalha essas últimas porque sua proposta era totalmente de acordo com os novos interesses do Estado mundial neopatriarcal capitalista e a mega indústria multinacional do sexo (ISex), os que, através das antifeministas, matariam três coelhos duma cajadada: 1. Desmantelaria o movimento feminista de orientação esquerdista e socialista assim como ao movimiento feminista de orientação anarquista e radical proletarizado (não lumpemburguês); 2. Desviaria o movimento feminista exatamente pro lado oposto dos seus princípios originais, fomentando a neoescravidão das mulheres; e 3. Desativaria o movimento antipatriarcal conduzindo-o para a patriarcalização das feministas, não somente ao introduzi-las as instituições patriarcais senão que também ao reintroduzi-las novamente no campo histórico da agressão, dominação e violência –o sadomasoquismo–, só que como algo “livre e voluntariamente”, por consenso, e como “jogo ou performance” com os homens. E pior ainda, o fomento da violência sexual “consensuada” entre as mesmas mulheres: “sadomasoquismo lésbico”.

A influência mais perniciosa na luta contra o feminismo, ou seja, contra as mulheres, foi a norteamericana Gayle Rubin, criadora do conceito: “sistema do sexo/gênero” em 1975, exposto no famoso texto “O tráfico de mulheres: notas sobre a economia política do sexo”, “The Traffic in Women: Notes on the ‘Political Economy’ of Sex” de onde derivou-se a chamada perspectiva ou foco de gênero e depois o generismo como postura ideológico-política institucional estatal, sobre a qual se sustenta o feminismo burguês e pequeno burguês capitalista. Em 1978 Rubin e Pat Califia fundaram o grupo Samois inspiradas no misógino e degradante livro História de O da escritora Pauline Réage, joia da literatura sadomasoquista e BDSM, primeiro grupo no mundo de mulheres sadomasoquistas MSM (mulheres que têm sexo com mulheres), mal nomeado por elas mesmas: “lésbicas-feministas sadomasoquistas” ou lésbicas pró-s/m” (S/M sadomasoquismo), com o claro propósito de derrubar o feminismo lésbico como crescente força política de autoridade político-moral entre as mulheres, com o fim de desacreditá-lo e colocar ele contra as outras feministas. Por sua vez, Pat Califia publicou O Lado Secreto da Sexualidade Lésbica (The Secret Side of Lesbian Sexuality), onde reivindica o “sadomasoquismo lésbico” e Samois publicou seu primeiro livro Chegando ao Poder (Coming to Power), escrito por e para mulheres como uma maneira de “empoderar-se através da sexualidade” 17 estabelecendo as bases do “movimento feminista prósexo”. Todas essas publicações estão dirigidas a desacreditar e desmantelar os movimentos lésbicos feministas autonomistas: socialista, comunista, autônomo, radical, anarquista, separatista e ecofeminista.

A rejeição do feminismo por essas iniciativas não se deve a posturas moralistas ou puritanas, como afirmaram as prósexo, senão profundamente políticas, e radicaram em que: 1.Tudo que houvesse atacado ou combatido o feminismo dos anos setenta revolucionário (socialista) ou radical (anarquista), o pegaram e reivindicaram as generalistas de oitenta (direitistas) e depois as dos anos noventa queer (da direita encoberta): as de oitenta como representantes da globalização neoliberal e as dos anos noventa como representantes da pós globalização pós neoliberal; 2. Todos os avanços que em tão pouco tempo a luta das mulheres tinha conquistado, as anti mulheres ou mulheres patriarcalizadas o derrubaram em pouco tempo, muitas delas disfarçadas de feministas; 3. O conflito não se reduzia únicamente a pornografia, a prostitução e ao sadomasoquismo, senão que abrange todas as formas de opressão contra as mulheres: as anti-feministas afirmaram que as feministas tinham colocado as mulheres em uma posição vitimista e que “esta era uma posição de poder”, situando aos homens como algoz e, portanto, “reduzindo-os a uma situação de opressão”; portanto, as feministas inverteram os papéis e se converteram em mulheres opressoras; 4. As antifeministas argumentaram que a oposição das feministas contra o sadomasoquismo, a prostituição e a pornografia era repressiva, juntando-se, consequentemente, com as posturas do Vaticano, da Pró-vida, da liga de decência e da ultradireita mais conservadora, ou seja que as feministas seriam a direita; 5. As pró-sexo afirmaram que as feministas negavam tudo que fosse sexual, manifestando aversão por tudo que tivesse a ver com o sexo, convertidas em “antisexo”,como se a raiz da opressão das mulheres não fosse sexual; 6. As antifeministas afirmaram que as feministas, com base em um retrógrado e falso “sistema binário”, criaram uma oposição entre homens e mulheres que não existia, sendo uma invenção para culpá-los, negando as múltiplas formas de violência histórica contra mulheres; 7. As sadomasoquistas falaram no nome de “lésbicas” (isto é, no nosso nome) de maneira arbitrária e impositiva como Gayle Rubin no Reflexionando Sobre o Sexo: Notas para uma teoria radical da sexualidade (1984) e Pat Califia nas suas publicações, como se o sadomasoquismo fosse inato entre lésbicas; quando foi um dos principais fatores contra os quais o lesbianismo feminista lutou; 8. As pró-sexo falaram de “lésbicas” contra “ feministas”, afirmando exatamente o que sempre tentamos lutar contra: a separação entre lésbicas e feministas; 9. As pró-sexo acusaram as feministas de rejeitar os homens, isto é, de praticar a misoginia ao contrário, a androfobia, pela marginalização, segregação e exclusão destes ao não admiti-los dentro das organizações feministas. Este último ponto é crucial porque o pilar sobre o qual o movimento feminista poderia ser construído era precisamente a autonomia, a autonomia política, ou seja, a posibilidade de unir as mulheres entre si de maneira independente dos homens e tomar suas própias decisões; 10. Finalmente, para as anti-feministas o novo sujeito do feminismo deixa de ser a mulher, que é ocupada pela diversidade sexual, eliminando a essência do feminismo, que eram e são as mulheres verdadeiramente feministas.

A partir desta corrente foram geradas duas posturas: 1. Aquela que garantiu que o feminismo era totalmente obsoleto e anacrônico e seus temas e agenda totalmente desatualizadas, porque as mulheres já eram livres e não havia razão para continuar lutando (claro, ela se referia às mulheres do Primeiro Mundo, brancas ou decoradas, pequena burguesas, urbanas, profissionais, tecnocratizadas, e até mesmo muitas lumpem que se gabavam de autonomear-se dissidentes, subversivas e até anarquistas e, portanto, abandonaram o feminismo; e 2. A mais perigosa, aquela que se propôs criar um novo feminismo totalmente oposto ao anterior, um feminismo lúdico que já não falava da opressão das mulheres mas do sexo como prazer, alegria e diversão, que não tinha medo do sexo e reinvindicá-lo, conclamando as mulheres a “se apropriarem da sua própia sexualidade” (abordagem totalmente fora da realidade para a grande maioria das mulheres no planeta: do terceiro mundo, trabalhadoras, camponesas, pobres, indígenas, negras, donas de casa, migrantes, exiladas, mães de vários filhos, deslocadas que não só são abusadas sexualmente permanentemente, mas nunca puderam desfrutar da sua sexualidade devido à situação da opressão a que estão sujeitas), criando o “feminismo antifeminista”.

Um exemplo claro desta última posição é o conhecido artigo da lumpem transgênero Beatriz Preciado, cujo título define sua posição política: Depois do feminismo (Preciado,2007) Preciado propõe um “novo feminismo” pró-sexual, pós-pornô, dissidente, de multidão, para monstros, punk e multicultural, como uma resposta contra o feminismo anti-sexo, radical e separatista (de esquerda), normativo, puritano, tradicional, branco, colonial e racista que vê e diferenças em aspectos culturais, sexuais ou ameaças políticas ao seu ideal heterossexual, eurocêntrico e estatal. E ainda, citando a Ellen Willis, a acusando de ser cúmplice das estruturas patriarcais que reprimem e controlam os corpos das mulheres na sociedade heterossexual e retorna ao Estado o poder de regular a representação da sexualidade (a pornografia), conferindo-lhe o poder dual a uma instituição ancestral de origem patriarcal (Preciado, op. cit.). Mais longe, insiste em que, sua retórica da violência baseada em gênero colocou os homens em oposição (do lado da dominação) às mulheres (do lado das vítimas). Com o acima, Preciado nega não apenas a dicotomia homem-mulher, mas também a opressão histórica dos homens sobre as mulheres.

Uma das características mais perigosas das antifeministas é que elas se apropiam de uma serie de autoras feministas como endosso ideológico de autoridade teórica, pegando frases totalmente descontextualizadas e utilizando-as de maneira absolutamente arbitrária para justificar argumentos contrários as propostas dessas mesmas autoras, por exemplo, a Simone de Beauvoir, Adrienne Rich, Angela Davis ou Gloria Anzaldúa, cuja perspectiva feminista não tem nada ver com a visão misógina e antifeminista do feminismo pró-sexual, pós-pornô, punk, transcultural ou pós-feminista, e até a própria Monique Wittig, utilizando-a para misturar falsidades com verdades. Outra característica é que elas são confortavelmente reduzidas a uma prática de produção artística audiovisual, literária e performativa, deixando de lado a militância e o compromisso prático com a realidade de milhões de mulheres que vivem situações de opressão e violência e, sobretudo, deixando de lado a luta política contra o sistema político-econômico neo-patriarcal capitalista, chamando “ações políticas” a alguns escândalos públicos provocativos criados pela estética feminista pós-pornografia, “um tráfego de sinais e artefatos culturais e a ressignificação crítica de códigos normativos” (Preciado, op. cit.).

No entanto, o mais sério sobre este “feminismo” é que o sujeito político do feminismo não são mais mulheres, porque não são mais vistas como “realidade biológica pré definida" mas como "o descentramento do sujeito feminino questionando o caráter natural da condição feminina ”. Esse discurso, para além de questionar o feminino (como papel sexual), nega a existência de dois sexos como realidades biológicas e, portanto, a existência real das mulheres desaparece à medida que desaparecem sob o conceito de “pessoas” ou “multidões”. E, consequentemente, invalida e elimina todas as conquistas e avanços em questões de saúde, direitos civis, trabalhistas e políticos da posição feminina já que não existem mais. Para fazer isso, tal teorização criou uma confusão deliberada de feminismo com práticas sexuais, que são duas realidades completamente diferentes uma da outra, a fim de reduzir o movimento político feminista como prática sexual mais, como feminismo pós-pornografia.

Mas esta ideologia não se limitou aos setores sociais sexuais ou político-sexuais, mas também invadiu outros movimentos sociais, como raciais, étnicos, populares, migrantes, desempregados, jovens e até mesmo alcançando os anti-racistas, anti-capitalistas e anti-imperialistas. E em nome da “subversão”, “transgressão”, “rebelião” e “dissidência” de “minorias”, suscita o “desmantelamento” ou “descarrilamento” do “sistema regulatório” sem definir especificamente qual era esse sistema, esse poder ou essa hegemonia. Essa confusão da ambiguidade, frouxidão, imprecisão, duplo sentido, tem sido precisamente sua estratégia para desorientar e manipular movimentos sociais.
Mas para conseguir tal confusão, a ideologia queer necessariamente teve que destruir todas as identidades, ou seja, dividir, desmantelar e atomizar as lutas sociais no mais absoluto i-n-d-i-v-i-d-u-a-l-i-s-m-o (individualismo possessivo), eliminando e apagando as identidades que uniram, congregaram ou uniram os diferentes setores sociais oprimidos, supostamente para combater o “sistema normativo dominante”. E ele fez, hegemonizar (equalizar) todos em uma única entidade chamada “pessoas” (para os ricos) e “multidões” (para os pobres), sem diferenciações de sexo, raça ou classe, ou nacionalidade, todos “iguais”, escondendo suas profundas diferenças, para que o sistema capitalista neo-patriarcal possa impor sua lógica sem resistência.

A normalização da violência e da alienação humana

Antes da década de 1950, pensava-se que todos os homens homossexuais eram afeminados, mas durante a Segunda Guerra Mundial muitos relacionamentos sodomitas e homossexuais entre homens foram criados nas forças armadas. No final disso, eles continuaram se identificando com os valores militares hiper-masculinos: hierarquia, disciplina, vestimenta, insígnia, uniforme, companheirismo, motocicletas, o corpo masculino (bigodes, pelos, músculos), força física, estética “dura”, etc., enquadrada em relações de dominação e submissão cujo signo de identidade é o couro (couro) 18. Por isso, o couro representa “o lado anti-feminino da homossexualidade”, dando origem ao movimento S/M nos Estados Unidos.

Mas como esses grupos não permitiam a participação de mulheres, Gayle Rubin e Pat Califia criaram o primeiro grupo de mulheres sadomasoquistas. Em 1984, Gayle Rubin publicou o ensaio ao qual já nos referimos: “Refletindo Sobre Sexo: notas para uma teoria radical da sexualidade”, “Thinking Sex: Notes for a Radical Theory of the Politics of Sexuality in Pleasure and Danger” onde assume uma posição contrária à que expôs em 1975 em “Tráfico de mulheres”, abandonando totalmente “o seu feminismo” e opondo-se às feministas que continuaram a lutar contra as diferentes formas de opressão contra as mulheres. Rubin se dedicou a defender “práticas sexuais não convencionais” das mais simples às não convencionais: literatura e práticas obscenas, materiais pornográficos, sexo anal, oral, fetichismo, prostituição, brinquedos sexuais, orgia, sadomasoquismo, e assim por diante, relacionando-os até com drogas (Rubin 1984: 165) e “vícios” (Rubin, op. cit.: 160); misturando-os descontroladamente com aborto ou controle de natalidade. E dedicando-se a fazer um pedido de desculpas pelas práticas de submundo sexual marginal, comunidades eróticas, desviantes sexuais ou dissidentes eróticos; misturar e incitar sexo com sexualidade, com práticas sexuais e com identidades sexuais como se fossem iguais.

Da mesma forma, reivindicou o sexo comercial (Rubin, op. Cit: 152-153), ou seja, a indústria do sexo capitalista comercial ou a mercantilização da sexualidade, sem criticar a comercialização capitalista da sexualidade humana, principalmente de mulheres. Ela também reivindicou a pornografia em todos os seus níveis, prostituição, sadomasoquismo e pedofilia, chamados por ela de “sexo intergeracional”. E se opôs radicalmente àqueles que tentavam definir quais sexualidades eram “boas” e quais eram “más”, ou seja, práticas opressivas e não opressivas. Assim, perigosamente abriu a porta para o incesto, estupro conjugal, estupro, estupro tumultuado, assédio, turismo sexual, prostituição infantil, escravidão sexual, bestialidade, bebida, tráfico e até feminicídio (genocídio das mulheres porque são do sexo feminino). Ela também se pronunciou contra o “essencialismo sexual” (Rubin, op. Cit.: 130, 132 e 134), situando o feminismo antipornográfico, antiprostituição e antimasoquismo ao lado dos setores e instituições mais conservadoras e reacionárias de direita, escondendo o fato de que ela mesma funcionava como um veículo dos interesses do sistema patriarcal contra as mulheres e de um sistema capitalista que faz a sexualidade dos mais fracos uma mercadoria para a satisfação dos mais poderosos.

A ideologia pós-pós-neoliberal e pós-pós-moderna visa salvaguardar os interesses do modelo econômico capitalista neo patriarcal. Por isso, é extremamente perigoso não identificar o conjunto de posições teóricas “antifeministas” que são elas acima e se escondem no próprio feminismo. E que, além disso, se destinam a acabar com os fundamentos que deram origem e sustentação a todos os grandes movimentos sociais que se formaram durante as décadas revolucionárias de 1950 e principalmente das décadas de 1960 e 1970, contrastando-as com as décadas de 1980, 1990 e 2000, profundamente reacionários e contra-revolucionários. Por isso, este sistema criou o conceito de “diversidade”: diversidade cultural, diversidade racial, diversidade étnica, diversidade sexual, etc., para agitar e misturar em uma única esfera diferentes setores sociais pertencentes a realidades opostas ou antagônicas entre si, para agitar e misturar opressores com oprimidos. Aplicar a ideologia capitalista de que as classes sociais podem e devem viver juntas e em paz, sem luta de classes.

Essa confusão terrível e perfeitamente planejada trouxe consequências desastrosas para o movimento feminista, porque o desviou completamente de seu propósito original, que era a emancipação da mulher, ou seja, a libertação de metade da humanidade da escravidão. Também o desviou da destruição do patriarcado e da construção de uma nova sociedade sem opressão sexual, incluindo a libertação dos homens do aspecto negativo de sua própria masculinidade (com exceção do feminismo separatista, que acreditava que isso não era possível).

Mas sustentado na mais absoluta contradição e falta de criticidade, o sistema institucional do Estado patriarcal capitalista tomou a “perspectiva de gênero” como a panaceia, enquanto a própria Gayle Rubin contradisse seus primeiros postulados, afirmando que:

“Em um trabalho anterior, “The Traffic in Women”, utilizei o conceito de sistema sexo/gênero, definido como “uma série de acordos pelos quais uma sociedade transforma a sexualidade biológica em produtos da atividade humana”. Meu argumento era que “o sexo como o conhecemos – identidade de gênero, desejo e fantasia sexual, conceitos de infância – é em si um produto social”. Neste trabalho, não fiz distinção entre desejo sexual e gênero, tratando ambos como modalidades do mesmo processo social subjacente (Rubin, 1984: 183). Em contraste com os pontos de vista que expressei em “The Traffic in Women”, agora afirmo que é absolutamente essencial analisar gênero e sexualidade separadamente para que suas diferentes existências sociais sejam refletidas com mais precisão. Isso vai contra muito do pensamento feminista atual, que trata a sexualidade como uma mera derivação do gênero (Rubin, op cit.: 184)”.

Por uma sociedade justa gilânica, feminista-comunista, shambálica e
Pachamama-pangeísta

O neo-patriarcado capitalista do mundo ocidental, moderno e pós-moderno, judaico-cristão-islâmico, branco ou caiado, tecnocrático e urbano atualmente em declínio e colapso, criou uma confusão ideológica profunda e brutal e incerteza impulsionada por enteléquias, academia e mídia controlada pelos consórcios capitalistas dos quais a indústria transnacional do sexo imperialista faz parte. Sexo, papéis sexuais e práticas sexuais sempre se desenvolvem dentro da estrutura de um sistema social particular e nunca de forma abstrata, como muitos cientistas sociais burgueses afirmam explicar.

Por isso, é fundamental partir dos princípios de marxengelismo para explicar qualquer tema relacionado, por um lado, com as mulheres e, por outro, com a sexualidade, sempre referindo-se ao sistema econômico, político e social, bem como ao ecológico, cultural, psicológico, sexual e espiritual. Isto é, o sistema EPSECSE, base absolutamente indispensável para compreender os fenômenos sociais e continuar com a proposta da revolução proletária internacional: a tomada do poder pelo proletariado, incluindo camponeses, diaristas, desempregados, migrantes e donas de casa e as pessoas-nações indígenas ou autóctones, denunciando as traições que a social-democracia, o stalinismo e outros fizeram contra a emancipação do proletariado mundial. Sem esquecer de eliminar do marxengelismo os elementos patriarcais que contém e tem sido criticado pelas feministas socialistas.

Diante desse mundo de confusão deliberada e caos premeditado para desorientar a sociedade, também é essencial retomar as visões de mundo dos povos indígenas ou nativos autóctones, milenares e atuais (eliminando também os saberes patriarcais). Destes, é importante recuperar sete aspectos fundamentais:

1. Respeito pelo cosmos e pela Mãe Terra: natureza, ciclos naturais, relação com o Sol e a Lua, economia sustentável, energias naturais, não poluição, entre outros; 2. A vida comunitária sempre em benefício do bem comum, especialmente incluindo os membros mais vulneráveis; 3. A defesa e sacralização da propriedade comunal ou coletiva contra a propriedade privada dos meios de produção, entre outras; 4. Trabalhar juntos, coletivamente e solidariamente, eliminando a divisão do trabalho, propondo um trabalho adaptado às necessidades físicas, mentais e intelectuais de cada pessoa, em colaboração e rotatividade, entre outras; 5. A tomada de decisão coletiva por meio do diálogo, da escuta e do debate por meio de conselhos comunitários (ou sovietes). Integrar velhos, jovens, meninas e meninos e todos os desfavorecidos, evitando sempre a concentração de poder (eliminação absoluta do Estado e desaparecimento da classe política); 6. A responsabilidade comum e coletiva perante as pessoas desprotegidas ou vulneráveis temporárias ou permanentes (idosos, deficientes, enfermos, etc.); e, finalmente, 7. Acrescentando algumas das contribuições fundamentais do feminismo lésbico indígena: por uma vida comunal e social que evite a imposição e institucionalização da família, casamento, monogamia e heterossexualidade, que respeite a individualidade, interesses e características particulares de cada pessoa, desde que não faça mal a ninguém por meio da consciência, do amor e da solidariedade entre todas e todos.

Nesse sentido, é necessário retornar à proposta do ecofeminismo proposta por María Mies e Vandana Shiva (1997), entre outros, de uma economia de desenvolvimento sustentável com energias limpas paralela ao reconhecimento do caráter sagrado e espiritual do meio ambiente, da biosfera e dos recursos naturais. Aplicando também a noção de Pachamama-Pangeísta como um conceito mundial de Mãe Terra, incluindo a natureza, a biosfera, os ciclos naturais e o cosmos com caráter sagrado e com reunificação simbólica harmônica sem colonialismos ou imperialismos de todos os continentes que constituem a Terra.

Da mesma forma, estabeleça as bases de uma sociedade apenas gilânica. Gilânia é um neologismo, criado pela feminista judia austríaca Riane Eisler e significa: gylany, gy do grego gyne: mulher e um andros: homem, o “l” entre eles tem um duplo significado: em grego deriva do verbo lyein ou lyo, que significa resolver e também dissolver ou libertar e em inglês representa um elo, ou seja, a não dominação entre as duas metades da humanidade (Eisler, 1987: 119-120).

E por último, volte ao Budismo porque não é uma religião, mas uma prática espiritual que, ao conduzir ao vazio, permite a integração dos seres humanos uns com os outros, com a natureza e com o cosmos, superando a fragmentação e desconexão onde ele impôs o patriarcado entre todos eles. Vinculado ao Sagrado Feminino da tradição milenar das comunidades matriarcais reunidas em torno da Grande Mãe, a grande criadora e mantenedora dos seres humanos e da natureza, bem como do ideal de Shambhala que significa: sociedade iluminada exposta pelo budista O tibetano Chogyam Trungpa e que podemos interpretar como uma sociedade de massas consciente ou iluminismo coletivo, aplicando-o à práxis marxista: consciência (teoria) e compromisso maciço (prática) dos trabalhadores para poder assumir o controle de nosso próprio governo, lembrando a proposta de Rosa Luxemburgo sobre o poder das massas. Por uma re-evolução interna e externa, política e espiritual.

Por uma re-evolução interna e externa, política e espiritual
Om Mani Padme Hum

Notas de rodapé;

1 Este texto é um resumo do documento completo que pode ser consultado em http://yanmaria-yaoyolotl.blogspot.com/

  • Proletária, trabalhadora manual por convicção não intelectual ou acadêmica. É participante ativa em diversos movimentos sociais de mulheres, operárias, camponesas, indígenas, migrantes, exilados e presos políticos, entre outros. Participou desde os seus vinte anos nas organizações comunistas revolucionárias marxista-leninistas e, mais tarde, na oposição à contra-revolução stalinista e à conversão da Rússia ao capitalismo. Tem colaborado nas instâncias de apoio do México às lutas palestinas, irlandesas, vietnamitas, bascas, cubanas e chilenas, entre outras. Ela começou sua militância feminista em 1976 e em 1977 ela fundou o primeiro grupo lésbico no México junto com outra feminista. Desde então ela tem lutado pela defesa da autonomia do movimento feminista e lésbico feminista contra a ofensiva de gênero e a direita gay, glbt e a contra-revolução da diversidade sexual, particularmente queer. É diretora do Arquivo Histórico do Movimento Feminista Lésbico no México 1976-2012, que leva seu nome, em coordenação com a Revista Lesvoz. Atualmente atua na luta pela democratização de seu sindicato; pela recuperação do território dos indígenas Triqui, expulsos pelas forças armadas do governo mexicano, e participa da Frente de Mujeres Proletarios. Ela pertence a um calpulli de dança asteca mexicana e é uma seguidora do Budismo Mahayanay; comungue com a cosmopercepção maia e com o sagrado feminino.

yanmaria.arte@gmail.com

2 Expressão em Yucatec Mayan que significa: “Conselho de guerra para cruzar montanhas e mares junto com fome e sede para alcançar a clareza, a iluminação.”

3 Femicídio: o femicídio não se reduz ao assassinato de uma mulher ou homicídio ou ao genocídio ou extermínio em massa de mulheres, mas é constituído pelo continuum (contínuo) de violência ou homicídio em vida, ao qual estão sujeitas desde o nascimento e ao longo de toda a sua existência e que muitas vezes termina com seu assassinato ou indução ao suicídio. O fato de o termo feminicídio ter sido alterado para feminicídio (Lagarde, 2005) leva a um significado bem diferente, já que este último está totalmente ligado à noção de gênero rejeitada pelo lesbofeminismo porque gênero faz parte da ideologia neopatriarcal.

4 Mais-valia: a mais-valia é o acréscimo ou aumento do valor de uma coisa ou mercadoria através do trabalho e constitui a diferença entre o salário de um trabalhador e o valor do bem produzido por ele através dos meios de produção apropriados pelo capitalista. Excedente que constitui o lucro do apropriador no processo de produção graças ao trabalho do trabalhador, que constitui a exploração do trabalhador porque o seu tempo de trabalho ultrapassa o valor dos seus meios de vida. O ganho de capital completa seu processo de realização na esfera de circulação ou venda no mercado. A mulher excedente é a mesma, mas dentro da esfera do lar e sem entrar no processo de circulação porque está encerrada nela, portanto não se torna formalmente mercadoria.

5 Produção de capital: do ponto de vista marxista ortodoxo, o trabalho doméstico feminino não produz mais-valia e, portanto, nem capital, porque está tanto fora da produção (valor de troca, mercadoria) como fora da circulação. Mas, do ponto de vista do feminismo socialista (não do socialismo feminista), o trabalho doméstico produz mais-valia indireta por meio da produção (maternidade) e da reprodução (maternidade e trabalho doméstico) do marido e dos filhos, cujo valor incalculável passa para fazem parte da acumulação de capital por meio delas, denominada mais-valor-mulher.

6 Ecoexploração: termo que uso para descrever o abuso, a destruição e a exploração indiscriminada da natureza, da terra, do subsolo, da água e da biosfera por regimes político-econômicos patriarcais. Saquear significa pilhar, remover, arrancar e apreender injustamente com violência.

7 O positivo do feminino: feminilidade e masculinidade são definições dos sistemas econômicos e políticos dominantes que impõem certos valores a um e ao outro. O patriarcado impôs os negativos de sua masculinidade e os negativos de sua feminilidade. Por isso, é importante que as mulheres retomem os positivos femininos e se apropriem dos positivos masculinos, assim como é importante que os homens retornem aos positivos masculinos e se apropriem dos positivos femininos, para moldar o ser ginândrico; embora inicialmente a ênfase deva ser colocada no feminino, visto que foram suprimidos, reprimidos e negados por cerca de cinco mil anos. Os novos aspectos positivos e negativos serão definidos pela sociedade justa como um todo e não pelo patriarcado. Chamo os sistemas com a sigla EPSECSE para sintetizar os conceitos: econômico, político, social, ecológico, cultural, psicológico, sexual e espiritual.

8 Teoria queer: posição teórica caracterizada pela relatividade, subjetividade, fragmentação e dissolução, para que cada autor tenha sua própria definição. No entanto, em termos gerais, é uma proposta que promove o desmantelamento e desagregação das identidades, eliminando as categorias nominais do sistema tal como são. Classificações injustas e limitantes que geram discriminação. Assim, a heterossexualidade, a homossexualidade, o lesbianismo e o feminismo, entre outros, têm sido criticados como identidades que, longe de quebrar o sistema, o reforçam movendo-se dentro dos parâmetros dele. Em vez disso, propõem falar em afinidades como uma opção para que cada ser humano possa escolher se chamar livremente como quiser de forma itinerante, sem limitar suas ações e identidade a uma nomenclatura social específica.

9 Generismo: nome que nós, lesbofeministas do México, demos à corrente político-ideológica que surgiu a partir da aplicação dogmática e acrítica da teoria baseada no sistema sexo / gênero.

10 Um feminismo sem mulheres: devemos lembrar o título que a Coordenadora Universitária de Dissidência Sexual no Chile que organizou o 2ª. Encontro de Dissidência Sexual realizado em 2011, denominado “Por um feminismo sem mulheres”.

¹ nota de tradução fiquei em dúvida entre: anticlassicismo ou anticlassismo, vi ambas sendo usadas.

11 “Denominação correta”: a este respeito, é importante esclarecer que não é conveniente usar o termo ‘libertação’, mas ‘emancipação, uma vez que o conceito de “liberdade" constitui um conceito fundamental da ideologia capitalista ocidental, apoiado no liberalismo econômico, que é justamente a base do pensamento burguês e, acima de tudo, tudo, do colonialismo e do imperialismo e, muito pior, do atual modelo econômico “neoliberal” ou pós-neoliberal. Além disso, “liberdade” tem sido a contrapartida de “comunidade”. Ao contrário da liberdade, o conceito de emancipação significa sair da sujeição a que foi submetido; autoridade dos pais (sob a qual as mulheres têm sido toda a história escrita), a tutela ou servidão a que os escravos foram submetidos, bem como setores raciais ou étnicos, a classe trabalhadora e os países colonizados.

12 SexNoOp: me refiro às sexualidades não opressivas para distingui-las das sexualidades opressivas (SexOp), as quais não somente são indefensáveis como também compatíveis.

13 Feminismo de esquerda: já se explicou que o feminismo dessas décadas teve um caráter fundamentalmente esquerdista pelo contexto social e político em que se desenvolveu. Esquerdista não é igual a socialista, comunista ou anarquista, mas simplesmente em contraposição ao regime direitista que mantém a hegemonia política em um momento determinado.

14 Cyborg ou ciborgue: me refiro ao termo proposto pela feminista pós – moderna norte-americana Donna Haraway como metáfora de um novo ser humano ou pós – humano: organismo (humano e animal) cibernético, híbrido de organismo-máquina criatura de realidade social e ficção, nem ser humano, nem máquina, nem homem, nem mulher, do mundo pós-genérico.

nota de tradução lumpenproletariado: vem do alemão Lumpenproletariat: ‘seção degradada e desprezível do proletariado’, de lump ‘pessoa desprezível’ e lumpen ‘trapo, farrapo’ + proletariat ‘proletariado’), ou lumpesinato, ou ainda subproletariado, designa, no vocabulário marxista, a população situada socialmente abaixo do proletariado, do ponto de vista das condições de vida e de trabalho, formada por frações miseráveis, não organizadas do proletariado, não apenas destituídas de recursos econômicos, mas também desprovidas de consciência política e de classe, sendo, portanto, suscetíveis de servir aos interesses da burguesia.

nota de tradução lumpenburgueses: Lumpemburguesia é um termo de inspiração marxista usado primordialmente no contexto das elites coloniais e neocoloniais da Latinoamérica, as quais se voltaram muito dependentes e apoiavam aos poderes coloniais. O termo é um híbrido proveniente do alemão lumpen (mendigo) e da palavra burguesia.

nota de tradução Bareback: Bareback ou barebacking é um termo em inglês utilizado para se referir à prática de atos sexuais (ou, mais especificamente, sexo anal) sem a utilização de um preservativo. A palavra original indicava o ato de cavalgar um cavalo sem sela.

nota de tradução Coprofilia: consiste na excitação sexual relativa ao contato com fezes. A prática inclui a manipulação, fixação, fotografia, afeto ou transtornos obsessivos ligados às fezes. Abrange um largo espectro de práticas, que pode inclusive chegar à coprofagia (ingestão de fezes).

nota de tradução Cine gore: ou cine splatter é um tipo de cinema de terror e de exploração centrado no visceral na violência gráfica extrema. Esses filmes, mediante o uso de efeitos especiais e excesso de sangue artificial, tentam demostrar a vulnerabilidade, fragilidade e debilidade do corpo humano e teatralizar sua mutilação.

nota de tradução vídeo snuff: Filmes snuff são filmes que mostram mortes ou assassinatos reais de uma ou mais pessoas, sem a ajuda de efeitos especiais, para o propósito de distribuição e entretenimento ou exploração financeira.

15 BDSM: o termo BDSM aparece 1991 composto pela justaposição de duas abreviaturas B/D (bondage e dominação) e S/M (sadomasoquismo) que se haviam criado para separar o sadomasoquismo de violência consensual do sadomasoquismo de violência consensual, significando: B Bondage e D Disciplina D&S (Dominação e Submissão) e S Sado e M masoquismo) S&M.

16 Samois: lugar mencionado no livro História do escrito por Pauline Réage ou Dominique Aury, pseudônimos de Anne Desclos, publicado em 1954, onde se descreve uma sociedade dominada por uma mulher dominatrix (mulher dominante) que mantinha baixo subjugação a outras mulheres.

17 Véase Centro Descartes. descartes.org.ar/jor2005soae.htm

18 Véase artículo BDSM en es.wikipedia.org/wiki/Sadomasoquismo

Obs: as notas chamadas de “nota de tradução” é para diferenciar as notas acrescentadas pelas tradutoras das notas feita pela autora; alguns acréscimos foi para fins didáticos.

Bibliografia utilizada pela autora:

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Nicolas, Jean (1978). La cuestión homosexual, Distribuciones Fontamara, S. A.

Preciado, Beatriz (2007).“Después del feminismo”, publicado en el periódico El País, el 13 de enero de 2007. Disponible en el pais.com/solotexto/articulo.html?x ref=20070113elpbabese_1chr(38).

   

mana que trabalho incrível voces estao de parabens!! Mas eh preciso colocar a autoria ne?
Textinho pra quarentena lesbofeminista 2021 <3