Por amor ao separatismo - Anna Lee (lésbica separatista negra)

tradução retirada do blog http://trajetoriafeminista.tumblr.com. Original: http://www.feminist-reprise.org/docs/leelovesep.htm pede revisão!

Por Amor ao Separatismo – Anna Lee

(Publicado em Lesbian Ethics Vol. 3, No. 2, Fall 1988)

Enquanto este ensaio é vagamente baseado em “A Black Separatist” (“Uma Separatista Negra”) que vai aparecer na antologia separatista “For Lesbian Only” (organizada por Sarah Lucia Hoagland e Julia Penelope): Onlywomen Press, eu reentitulei esse escrito para minimizar confusão. Quero agradecer algumas das lésbicas que me inspiraram a modificar minhas análises. Quero agradecer a Tara Ayres que me ama o suficiente para continuar argumentando comigo mesmo quando sou a maior teimosa. Quero agradecer Julia Penelope e Sarah Hoagland por continuamente me inspirarem com sua escritura e sua disposição a criticar a minha. Quero agradecer Lee Evans e Vivienne Louise quem escutou minhas reclamações e delírios e me ofereceram sugestões que me ajudaram a resolver meus dilemas. Finalmente quero agradecer Noel Furie, Selma Miriam, Betsey Beaven e Denslow Brown que sempre me desafiaram a explorar mais além o que separatismo significava para mim. E claro, tomo responsabilidade pelos argumentos apresentados neste ensaio.

Ser separatista é focar em nós mulheres enquanto lésbicas e minimizar a energia cedida aos homens. Como uma separatista, quando eu me concentro em lésbicas, eu incluo todas as lésbicas que optam por se concentrar em lésbicas. As duas declarações anteriores definem o ideal separatista. Obviamente, a diversidade (de raça, classe, idade e assim por diante) entre nós não é tão completa quanto poderia ser, mas é um fato que a comunidade lésbica é mais diversificada do que qualquer outra comunidade existente. Embora seja importante não romantizar a comunidade lésbica, nós muitas vezes depreciamos nossas realizações e intenções. Vou voltar para o que bloqueia essa diversidade mais adiante. Eu quero discutir primeiro como eu vim a me identificar como uma separatista e em seguida como o vínculo não reconhecido entre mulheres e homens proíbe a diversidade racial entre lésbicas.

Assumindo meu separatismo: um tanto

Abracei a teoria do separatismo muito lentamente. Enquanto outras separatistas aceitaram a teoria separatista quase simultaneamente à sua saída do armário enquanto lésbica, eu gradualmente comecei a entender e aceitar o separatismo ao longo de vários anos. Eu também soube que o estilo de vida separatista foi adotado por algumas lésbicas pré-feminismo. Mesmo adotando esse estilo de vida, pelas minhas observações, a justificação ideológica ou teórica não era importante para as lésbicas pré-feminismo. Tudo isso é para dizer que minha jornada não é necessariamente a mesma que a de outras lésbicas pós-feminismo e nem meu separatismo é o mesmo praticado por lésbicas pré-feminismo. Minha jornada é minha, à qual eu adicionei minhas percepções de outras jornadas.

Eu me assumi em 1969, acreditando que me apaixonar por uma mulher havia sido uma casualidade e que o nosso amor uma pela outra não era diferente do amor heterossexual. Dizer que eu amei uma mulher porque ela era uma mulher era muito queer (sexualmente estranho). Em 1969, ninguém estava falando sobre mulheres que amam mulheres; era difícil de encontrar informações e a análise era muito não-sofisticada. Enquanto os anos 60 são vistos como um período livre, amoroso e libertador, às vezes se esquece, especialmente se o(a) observador(a) não participou desses anos, que o amor livre e a liberação sexual eram focados e direcionados ao sexo masculino. As mulheres eram os objetos. Por mais que uma mulher amando outra mulher fosse uma alternativa às relações heterossexuais “predatórias”, a auto-identificação como lésbica estava fora dos limites impostos pelos homens (hippies). Como eu disse, amar uma mulher porque ela era uma mulher era muito estranho. Assim como houve silêncio na década de 60 ao redor das mulheres que amavam mulheres, também as relações interraciais foram se tornando toleráveis mas não completamente aceitáveis. Como uma mulher negra eu amei uma mulher branca. Demoraria ainda quatro anos antes que Daughters publicasse Rubyfruit Jungle em 1973, que celebrou a saída do armário gay e descreveu um relacionamento interracial (embora não entre amantes) como aceitável.

Entrei nesse vazio numa pequena cidade do centro-oeste com outras quatro pessoas “queers” (não heteros). E nós acreditamos que éramos as únicas na terra. Na verdade, nós sentimos que tínhamos atingido o nirvana. Que as outras pessoas não serem tão iluminadas explicava porque heterossexuais praticavam o auto-ódio que era escolher parceiros diferentes de si mesmos. Dezenove anos depois Katherine Forrest iria escrever uma história curta descrevendo homossexuais como possuidores de inteligência, sensibilidade e criatividade. Heterossexuais já não teriam essas características e por isso estavam se extinguindo. Homossexuais explicaram uns aos outros que o reconhecimento dos heterossexuais de seu processo de extinção era a razão pela qual eles perseguiam homossexuais ao longo da história.

Acreditar que éramos superiores aos heterossexuais me levou ao meu próximo passo: a constatação de que eu amava minha amante (uma mulher diferente do primeiro caso) porque ela era uma mulher. A ideia de separar-me de machos ainda me era totalmente estranha. Ainda que eu acreditasse que era importante eu amar uma mulher porque ela era uma mulher, eu acreditava que meu amor por uma mulher não era diferente do que o amor de uma mulher por um homem ou amor de um homem por um homem. O adiantado D. O. B. (Daughters of Bilitis – primeira organização para defesa dos direitos das lésbicas nos EUA) buscava tolerância para lésbicas, ainda que encorajando lésbicas a se vestirem de Drags. Neste caso, “drag” significava se vestir como se fosse uma mulher feminina heterossexual. O DOB argumentava que lésbicas precisavam tornar-se aceitáveis para heterossexuais através do nosso vestir e comportamento. Até o início dos anos setenta, DOB, e particularmente sua publicação, The Ladder, tinha começado a questionar o papel feminino e usar a palavra lésbica. Coincidentemente, enquanto The Ladder se tornava independente do DOB, o uso da palavra lésbica se tornou mais aceitável e, de fato, a norma na publicação. No entanto, o contexto em minha pequena cidade do centro-oeste manteve-se semelhante à abordagem de direitos civis defendida pelo DOB no início dos anos 50.

A capacidade de resistir depende em parte do contexto no qual nos encontramos. Se uma comunidade lésbica feminista ou visível existisse na minha cidade, eu teria me entendido como uma seguidora das que me precederam, em vez de uma desbravadora que há de lutar sozinha (o que quer que “lutar” seja no momento) como lutei. Mas o contexto é apenas uma parte da capacidade de resistir ao domínio heterossexual. A outra parte são os meios individuais de resistir à “normalidade”. Eu acredito que a pressão para ser “normal” é ao que tantas lésbicas se referem quando dizem que é um milagre que qualquer uma de nós foi capaz de se assumir.

Então, não tendo um contexto social ou uma análise política que desafiasse a minha aceitação da heterossexualidade como norma e minha busca por tolerância vinda de heterossexuais, eu continuei a me apaixonar e desapaixonar por muitos anos. Eu certamente tinha uma consciência feminista incipiente, mas eu não examinava a maneira pela qual eu participava de relacionamentos como amante ou amiga. Quando me mudei para a costa leste um novo mundo se abriu para mim.

Aqui eu era capaz de observar um grupo misto maior e examinar a “normalidade” das relações heterossexuais. O contexto não era predominantemente gay, como tinha sido minha experiência anterior com os outros quatro queers no centro-oeste. Eu conheci socialistas brancos; anteriormente eu havia interagido com os nacionalistas e socialistas negros (um grupo separado dos quatro queers). Era o final dos anos 70. Fiquei espantada que um grupo inteiro de pessoas podiam falar e escrever páginas e páginas de retórica marxista. Eu pensei que essa habilidade retórica era limitada aos radicais universitários que eu tinha conhecido. Com concentração e esforço, eu era capaz de fazer apenas algumas frases e, em seguida, esquecia qual era meu ponto. Eu tinha um grande grupo para observar nas reuniões do Partido Mundial do Trabalhador que participei. Notei algumas características semelhantes aos negros nacionalistas e socialistas. Um deles foi o falar em linguagens específicas ou jargões. Outro foi o fato de que a liderança era principalmente do sexo masculino, e as mulheres que se preocupavam com as questões das mulheres e com recrutar mulheres.

Eu tinha muitas discussões animadas com a minha namorada na época e com meu(a) amigo(a) do centro-oeste, que também havia se mudado para a costa leste. Eu sabia que algo estava errado mesmo não tendo uma análise política sobre isso. Mencionei à minha namorada que o Partido Mundial dos Trabalhadores discutia a questão estupro só em termos de homens negros sendo injustamente acusados. Nós duas concordamos que os homens negros foram desproporcionalmente acusados, processados e condenados. Nós discordamos da prática de que as mulheres sempre eram descredibilizadas sobre suas experiências. Ela acreditava que depois da revolução de classe, as mulheres não seriam estupradas ou forçadas a aceitar papéis subservientes a todo momento. Ela se apegou a essa crença, apesar de todos os papéis importantes dentro do partido serem realizados por homens. Eu já tinha visto esta mesma recusa de nomear relações como prejudiciais dentro do movimento nacionalista negro. Mais tarde eu viria a saber que grupos mistos encorajam as mulheres a acreditarem que os nossos problemas são menos importantes que as questões nas quais os homens estão engajados.

Assumindo meu separatismo: Verdadeiramente

Minha namorada me apresentou a um empreendimento feminista que me permitiu perceber o mundo de uma perspectiva totalmente diferente e que me deu um contexto para entender o que tinha me incomodado sobre os vários movimentos em que eu tinha me envolvido. Também fui apresentada a um mundo que era verdadeiramente mulher-identificado. Essa identificação com mulheres encorajou a análise de minhas relações com as mulheres e gerou uma nova militância longe de ações do sexo masculino.

O grupo que dirigia o negócio feminista valorizava mulheres. Cada mulher do grupo acreditava que o trabalho e as ideias das mulheres eram importantes. Elas queriam um coletivo formado, gerido e identificado por mulheres. Elas cometeram erros, mas sua intenção era criar um mundo de mulheres que desafiassem, inspirassem e nutrissem elas mesmas e outras mulheres. Então em 1979 iniciei a minha maior aventura, em que todas as coisas que eu tinha tomado como certas foram questionadas. Eu tive que repensar quase todas as suposições que eu tinha feito sobre como o mundo funcionava e qual era meu papel nele. Eu também tive a oportunidade de interagir com outras mulheres, especialmente as lésbicas, em um contexto que assumia que poderíamos mudar o mundo e que o nosso movimento estava crescendo. Eu tinha opções que eu nunca tinha tido.

As opções eram tanto sobre resistência aos machos quanto sobre conexões entre mulheres. Nós nunca consideramos as mulheres que gostariam de envolver os homens em nossa comunidade como parte da nossa comunidade. As lésbicas e as poucas mulheres heterossexuais que estiveram envolvidas na nossa comunidade consideravam o espaço só para mulheres como um fato dado. Energia e relacionamentos entre mulheres eram prioridade para ambos os grupos. O separatismo foi valioso para ambos os grupos. As questões que eram vistas como secundárias pelos grupos dominados por homens foram examinadas como se nossas vidas dependessem disso. Na verdade, nossas vidas realmente dependem de compreender os modos pelos quais machos tentam nos controlar através da violência. A violência masculina contra as mulheres variou e varia entre definir quem nós podemos ser e nos matar.

O homem na nossa cabeça ou em nossas vidas?

Pelo fato de que os homens definiam as formas aceitáveis pelas quais racismo poderia ser discutido, a capacidade de lésbicas de desenvolver posturas anti-racistas foi prejudicada. A nossa capacidade até mesmo de perceber o racismo entre as mulheres era mínima. Racismo dizia respeito a homens negros, como se as mulheres negras não existissem. Big Mama Rag, um jornal de Denver agora extinto, argumentou que as mulheres devem apoiar as lutas de libertação nacional. As mulheres devem apoiar lutas de libertação nacional mesmo que os machos que participam deles entendam as questões das mulheres como secundárias à libertação do país ou comunidade.

Por muitos anos e até hoje, o escopo do racismo definido pelo macho significa que, se homens, incluindo homens negros, são excluídos então um ato de racismo ocorreu. Em 1987, um homem negro bateu numa lésbica branca depois que ela impediu-o de ver sua escultura, e os organizadores do Sisterfire, o festival em que esse incidente ocorreu, argumentaram que a lésbica branca tinha provocado o incidente. Como resultado os organizadores sugeriram que a violência tinha sido mútua. O argumento é que bater enquanto violência = exclusão enquanto violência. Há algo de errado com esta equação? O que está errado com esta equação é que o racismo está definido como a exclusão de negros do sexo masculino. A lésbica branca excluiu os homens brancos, mas não as mulheres negras, de verem sua escultura. Os organizadores do Sisterfire ignoraram as mulheres negras em sua definição do racismo e do que seria um ato racista. Big Mama Rag em um pensamento similar descartou os interesses das mulheres não-europeias na sua defesa das lutas de libertação nacional. Independente da intenção de Big Mama Rag ou Sisterfire, o resultado é que as mulheres se vincularam aos homens brancos sob o pretexto de proteger os homens não-brancos. A discussão a seguir irá demonstrar como o vínculo real é com homens brancos.

A análise sobre estupro original e radical das organizadoras de centros de crise de estupro foi substituída (muitas vezes junto com as organizadoras originais) pela aceitação das organizadoras ou até mesmo o desejo da participação da polícia na prevenção do crime de estupro. Organizadoras desses centros reivindicaram avidamente o envolvimento da polícia, embora a polícia nunca tenha demonstrado uma preocupação com ou um sucesso em encontrar os estupradores do sexo masculino de mulheres negras. A polícia, no entanto, têm mostrado uma vontade de estuprar mulheres negras. De fato, a análise sobre estupro das feministas brancas desconsiderou as experiências das mulheres negras. A polícia também demonstra um sucesso muito grande em proteger os homens brancos de enfrentar as penalidades por seus estupros, enquanto que, como eu comentei anteriormente, os homens negros são desproporcionalmente visados para pagarem a pena pelo crime de estupro. Quem se beneficiou do envolvimento da polícia em centros de crise de estupro? Não as mulheres negras. Não os homens negros. Mas os homens brancos se beneficiaram. Enquanto a agenda das feministas brancas pode não ter sido articulada, o seu desejo de se relacionar com homens brancos não foi despercebido. No exemplo da Sisterfire, os organizadores alegaram que a construção de coalizões é importante e essencial. A formação de coligações é a ligação com os homens, que numericamente são homens brancos.

Outro exemplo da ligação entre lésbicas brancas e homens brancos é o endosso quase incondicional da necessidade de apoiar os machos que estão morrendo de AIDS. Jeanette Silveira disse-me numa conversa que ela considera o não-envolvimento em trabalhos relacionados a AIDS como um teste decisivo para o separatismo. Concordo com ela que a AIDS não é uma questão separatista, mas muitas lésbicas brancas tanto separatistas e quanto não-separatistas reivindicam que pelo fato de as mulheres negras estarem morrendo de AIDS, lésbicas deveriam se envolver nessa luta. É verdade que as mulheres negras e homens morrem de AIDS. Não é verdade que a AIDS é transmitida através do ar que respiramos ou a água que bebemos. É transmitida através do contato sexual com alguém que tem AIDS e através da troca de sangue com alguém que tem AIDS. Devido à forma como AIDS é transmitida, lésbicas são um grupo de baixo-risco. A fim de induzir as lésbicas para trabalhar com AIDS, a definição de lesbianismo é diluída para incluir as mulheres que têm contato sexual com homens. Quem, então, é uma mulher heterossexual?

Não importa para mim se a quantidade de lésbicas e mulheres heterossexuais é intencional; o que me preocupa é o mascaramento da ligação do sexo feminino-masculino, branca, alegando que a AIDS é significativa para lésbicas, porque as mulheres negras estão morrendo de AIDS. Não é a primeira vez que as mulheres brancas têm usado as mulheres negras para defender uma agenda que resulta em um vínculo mais forte entre as mulheres brancas e homens.

Este vínculo entre as mulheres brancas e os homens brancos é motivado pelo desejo de poder de mulheres brancas e pelo desejo masculino branco de recapturar as atenções das mulheres (como eu discuti com mais profundidade no meu papel na nova era da espiritualidade. Eu tive que reexaminar o meu relacionamento com homens negros. Não tenho a certeza de que lésbicas brancas têm examinado a sua relação com os homens brancos. Não tenho certeza porque o vínculo entre eles é silencioso, mas se manifesta de muitas maneiras. Algumas das quais eu descrevi.

Eu tenho muita convicção que meus irmãos têm o poder do pênis. Qualquer homem independentemente de classe, de renda ou raça detém o poder no mundo. Verdadeiramente, alguns homens têm mais controle no mundo do que outros. Mas cada um tem, se nada mais, uma mulher ou uma mulher-substituta como sua escrava, por exemplo, sua esposa, mãe, amiga e assim por diante. Um macho, independentemente de seu status no mundo, pode exercer o seu poder sobre pelo menos uma mulher praticamente sem interferências. Um exame superficial das estatísticas relativas a machos golpeando mulheres ou estuprando as filhas demonstra que essas ações são raramente punidas. Mas as mulheres e filhas que se opõem a essas atividades masculinas são severamente punidas.

O que todas nós, especialmente lésbicas brancas, precisamos ter convicção é na diferença entre poder e privilégio revogável. Ter poder sobre algo é possuir os recursos necessários para decidir qual será o resultado de uma situação. Privilégio revogável é a capacidade de assimilar as decisões e a agenda de outras pessoas. Esse privilégio pode se manter, desde que as decisões e agenda dessas outras pessoas sejam seguidas. As mulheres brancas têm privilégio revogável. Quando elas servem aos interesses dos homens brancos, os recursos são colocados à sua disposição. Quando não o fazem, a disponibilidade de recursos diminui. Quando abrigos para mulheres maltratadas contratam lésbicas ou realizam serviços disponíveis para lésbicas que foram espancadas, o financiamento da cidade, município, estado ou governo nacional é cancelado. É importante para homens que as mulheres sejam corrigidas e devolvidas a eles. Não importa para eles que as lésbicas sejam remendadas e devolvidas a uma situação de espancamento lésbico.

Lésbicas ou feministas brancas podem, na verdade, saber que a disponibilidade dos recursos depende de manter os doadores machos confortáveis, ou eles podem não querer examinar a boca dos cavalos dados de presente muito de perto. Quando certas ações culminam em resultados previsíveis e consistentes, então as ações e não a retórica devem ser analisadas. Eu ainda estou esperando que lésbicas brancas questionem o seu vínculo com homens brancos e o que esse vínculo significa para a criação de uma comunidade lésbica diversificada. A ligação entre as lésbicas e homens brancos é atualmente um obstáculo à criação de uma diversidade significante de classe e raça.

Introspecção Lésbica Negra

A definição aceita da cultura negra também é um obstáculo. Nós, como lésbicas negras, estamos permitindo que os homens negros definam o significado de nossa negritude. Enquanto especificamente discuto a necessidade de lésbicas negras promoverem nossas próprias definições de negritude, eu acredito que todas as nossas comunidades de origem precisam ser examinadas pela centralidade feminina de cada uma para determinar quais são as qualidades que podemos trazer para a comunidade lésbica que melhorem vidas lésbicas.

Dentro da comunidade negra, eu cresci com modelos de mulheres fortes. Estes modelos não eram lésbicas, mas mulheres que compreenderam que a sua sobrevivência dependia de sua capacidade de se mover através do mundo sem um intermediário masculino. Elas sabiam que não podiam depender de machos. As mulheres negras na minha comunidade criaram redes de mulheres, para que pudéssemos pedir ajuda umas às outras. Não me surpreende que as mulheres ao meu redor me incentivaram a confiar em mim mesma ou acreditaram em mim. O que essas mulheres negras fortes nutriram em mim foi um egoísmo forte. Um egoísmo suficiente para sobreviver em um mundo que não necessariamente olhará com bondade para mim, um mundo que em demasiadas vezes me odiava. Essa comunidade de mulheres negras ensinou lealdade a mim e a elas. Também me ensinou a encarar a verdade. Não só para que a verdade me liberte, mas para garantir minha sobrevivência. Se eu não gosto da verdade que encontrei, então eu devo mudar essa verdade, e não fingir que ela não existe. Pretensões de classe média foram reservadas para aqueles que podem pagar por elas. Pretensões de classe média não iriam salvar a minha pele.

Mesmo que a maioria de nós cresçamos com modelos de mulheres negras fortes, mesmo que aprendamos que nós nunca poderemos ser brancas e, portanto, aceitáveis, nós nos recusamos a levar interações negras lésbicas a sério. Negamos a nossa centralidade feminina e somos pegas pelas definições masculinas de negritude. Quanto mais perto uma atividade se encontra de machos negros, mais a atividade é vista como negra. Em uma conversa, uma irmã apoiou os muçulmanos negros, mesmo que ela não fosse uma e mesmo os muçulmanos negros insistindo que as mulheres devam ser subordinadas aos homens. Em outra conversa, uma irmã colocou uma mulher negra que se comportava a partir de uma perspectiva heterossexual como mais profissional do que uma mulher negra abertamente lésbica que performava num contexto mulher-identificado. Em cada caso lésbicas negras não foram levadas em conta. É uma visão de mundo comum entre qualquer grupo oprimido que o que criamos entre nós não vale realmente a pena e não tem o profissionalismo e legitimidade que são possuídos pelo opressor e seus lacaios.

Lésbicas negras rejeitam brancos definindo quem somos, mas aceitam homens negros definindo quem podemos ser. Até que possamos valorizar o que criamos, não existiremos, exceto na distorcida casa de espelhos no carnaval. Uma vez que não consideramos seriamente a nossa posição no mundo como lésbicas negras, nós estamos muito frequentemente preocupadas mais com nossas aparências do que com o desenvolvimento uma análise política que comece conosco. Uma análise política que faça das questões de lésbicas negras as pautas centrais para a compreensão do mundo e da nossa relação com o mundo. Eu certamente não estou sugerindo que as lésbicas negras são sem sentido ou não pensantes. O que estou sugerindo é que as definições que usamos de quem somos não foram criadas por nós. Temos um trabalho duro pela frente. É necessário que o façamos.

Separar-se de homens negros é assustador. É assustador porque estamos entrando em um vazio. É um vazio através do qual até mesmo as fortes mulheres negras que conhecemos não podem nos ajudar a passar. As mulheres negras fortes podem nos dar um impulso a buscar as nossas respostas, mas não as próprias respostas. A criação de nós mesmas pode ser emocionante. A excitação está deixando o que é familiar e confortável. Bernice Reagon sugeriu que o trabalho da coalizão é difícil porque é preciso ir além da segurança do conforto. Pelo contrário, o trabalho de coligação se assemelha a nossas comunidades de origem, porque os homens são valorizados membros das coalizões que ela quer criar. É a criação de uma comunidade lésbica que é desconhecida para nós. Ou pelo menos a maioria de nós, uma vez que poucas de nós cresceram em um contexto lésbico. Trabalho de coalizão é um retorno ao que é conhecido.

Separatismo é onde ele está acontecendo

Na década de 70 nós enfrentamos esse vazio chamado centralidade lésbica apenas com uma simples dica de como criá-la. Cometemos alguns erros graves e provavelmente vamos cometer muitos mais. No entanto, é no contexto do separatismo lésbico que temos alcançado nossas maiores realizações. Criamos espaços para conhecermos umas às outras. Desenvolvemos uma análise que utiliza lésbicas como base. Reconhecemos nossas diferenças e procuramos valorizar nossas diferentes capacidades. Criamos redes econômicas lésbicas. Desenvolvemos habilidades lésbicas em carpintaria, música, produção, impressão, venda e assim por diante. Essas habilidades, competências e análises floresceram em um contexto lésbico. Ultrapassamos nossos sonhos mais selvagens.

Os sonhos não são cinzas, embora tenha havido um hiato na década de 80. Devemos reconhecer os nossos sonhos e visões passados. O próximo passo deve direcionar-se a abordar a forma como interagimos com mulheres íntimas. Por íntimas quero dizer todas as lésbicas com quem nos relacionamos. A comunidade lésbica não é nada além da forma como nos relacionamos umas com as outras. A comunidade lésbica exige a nossa participação para existir. Espero que a nossa comunidade lésbica nunca se torne tão institucionalizada que nós, enquanto indivíduas, usufruamos dela mas não tenhamos que contribuir em nada para que ela continue. Uma vez que a comunidade se torna institucionalizada ela se torna fossilizada. Algo fossilizado é incapaz de nutrir a alegria da criação. Apenas é. É imutável e estático. Está morto.

A comunidade lésbica é um conjunto diversificado de pessoas íntimas. É o nosso desafio estabelecer intimidade com aquelas que cresceram de forma diferente de nós. Mesmo dentro de grupos cujas membras poderiam ser classificadas como semelhantes haverá diferenças entre nós. Então, cada uma de nós deve ensinar-se a valorizar as diferenças em relacionamentos íntimos. É bastante fácil se valorizar as diferenças de longe. É muito mais difícil incluir diferenças em nossos círculos íntimos. É ainda mais difícil procurar aqueles que são diferentes, mas devemos, porque precisamos essas diferenças em nossas próprias vidas a fim de crescermos, de sermos desafiadas, e criarmos realidades que ainda não sonhamos.

*Embora esse artigo seja vagamente baseado no “A Black Separatist”, que aparece na antologia separatista For Lesbians Only (London: Onlywomen Press, in press), tenho renomeado este trabalho para minimizar a confusão.

texto original aqui

 

Notas

1. Julia Penelope, “The Mystery of Lesbians,” LE 1:2. Quando Julia discute como seu aberto lesbianismo a fez alvo de violência anti-lésbicas, não foi medo ou violência que me fez relutante a usar a palabra queer. Foi o medo de me mover para além das pálidas crenças de auto-aceitação definidas por homens.
2. Sarah Lucia Hoagland. Lesbian Ethics: Toward a New Value. (Institute of Lesbian Studies, 1988). Este livro explica o conceito de Sarah de predador-protetor.
3. Katherine Forrest, “The Test.” Dreams and Swords, Naiad, 1987.
4. Ruston, Bev Jo, Linda Strega, “Heterosexism Causes Lesbophobia Causes Butchphobia. Part II of the Big Sell-Out: Lesbian Femininity,” LE 2:2, 22-43.
5. Elaine Henrichs, “A Call to Resist,” Big Mama Rag, May 1982. Em sua discussão sobre formar coalisões com lutas de libertação nacional, se nota a ausência de mulheres na política de formulação de tais lutas. Em acréscimo, o papel tradicional das mulheres em países Africanos é minado ou eliminado quando as políticas dos EUA de agricultura e as lutas de libertação nacional delegam papéis subservientes às mulheres. Quais interesses estão sendo servidos aqui?
6. Uma conversação com Lee Evans.
7. Anna Lee, “New Age Spirituality Is the Invention of Heteropatriarchy.” (Espiritualidade New Age é a Invenção do Heteropatriarcado). Ensaio apresentado na Associação Nacional de Estudos de Mulheres (National Women’s Studies Association), Minneapolis, Junho de 1988, como parte do painel em Teoria Lésbica organizado por Sarah Hoagland.
8. Notem o caso de Karen Newson, quem foi à prisão por seis semanas na tentativa de proteger sua criança de ser sexualmente abusada pelo seu pai. O pai foi premiado com a custódia da criança. off our backs, October 1988, p. 3.
9. Bernice Reagon, “Coalition Politics: Turning the Century,” in Home Girls, Barbara Smith, ed. (New York: Kitchen Table: Woman of Color Press, 1983), 356-368.

 
 

coloquei as notas como comentário porque tá desconfigurando ao editar… =/

 
   

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