Uma butch negra fala: Abordando a opressão feminina¶
Por Pippa Fleming
Eu venho guardando silêncio durante algum tempo, mas agora é hora de falar.
Quando uma criança negra apresenta sinais de racismo internalizado, nós queremos protege-las. Nós queremos que elas saibam que elas são perfeitas como são e amadas exatamente por quem elas são. Se nós somos pessoas negras conscientes, nós tentamos incutir em nossos jovens o conhecimento, habilidades, sabedoria e apoio necessários, então elas podem sobreviver e prosperar nessa sociedade racista.
Se a pequena Lakesha chega em casa com “mamãe, eu odeio ser negra e quero ser branca” nós ficamos chocadas, consternadas e tristes por sua auto-aversão e corremos para encontrar a fonte de sua opressão. É a escola, a mídia, seus pares ou todas as opções acima?
Então por que quando a pequena Lakesha butch chega em casa com “odeio o meu corpo e quero ser um garoto” ela é encorajada a assumir uma identidade masculina ou o assunto é evitado e ela é deixada a se perder em um mar de crenças de conformidade de gênero, que a levam à disforia e uma vida vivida nas sombras?
No momento em que a criança do sexo feminino apresenta ser butch, ela é odiada, temida e tornada invisível pelos seus pares e, da mesma forma, pelos mais velhos.
Por que não estamos indignadas com a opressão às butches e dispostas a abordar a opressão de gênero do jeito que vemos a opressão racial ou de classes? Por que parece status quo jovens garotas butch odiarem seus corpos abençoados pela deusa?
Por que estamos guiando nossas bebês butches em direção à identidade masculina, em vez de explorarmos as causas desse auto-ódio?
Nós somos rápidas para dizer que uma pessoa negra está sofrendo internamente se ela quer branquear sua pele ou fazer uma cirurgia plástica para parecer mais européia… mas, se uma criança quer cortar seus seios fora e se livrar de sua vagina, isso é aceitável! Por sua vez, se eu questionar que é uma butch, eu sou vista como transfóbica.
Eu sou uma fêmea butch em não conformidade de gênero, que usa o banheiro masculino, é percebida como um homem todos os dias quando saio da minha porta e tornada invisível pela sociedade. Em vez de expandirmos as fronteiras da identidade feminina para incluirmos todas essas nuances, nos tornamos presas desesperadas daqueles 1% que dizemos desprezar. 1
Ser negra, fêmea e butch é ser uma guerreira, vamos rezar para que mais de nós tenhamos coragem para amarmos a nós mesmas e sermos mentoras totalmente sinceras para jovens butches lutando para não estarmos de acordo com o impossível.
E não sou eu uma mulher?! 2
Tradução por Carina Prates.
NOTAS:
1 A última frase poderia ser traduzida também por “E não sou mulher também?” ou “E sou mulher também!”. É uma afirmação, um desafio, referência a um discurso famoso da Sojourner Truth, que questionava o quanto o feminismo de sua época representava a todas as mulheres. Seu discurso denunciava a invisibilização das mulheres negras e acabou se tornando um símbolo da ‘irmandade estrangeira’ (Audre Lorde), das demais mulheres que terminam não sendo representadas nos discursos feministas hegemônicos e que esquecem da diferença entre mulheres, pautando-se nas vivências das mulheres brancas. Mais em: en.wikipedia.org%2Fwiki%2FAin%2527t_I_a_Woman%253F&h=NAQFFT2HI
2 No original, “ we have fallen desperate prey to that 1% we claim to despise! ". Não encontramos interpretação exata, é uma frase meio estranha no original mesmo. Pensa-se que ela pode estar se referindo ao medo/desprezo que as próprias mulheres tem das butch, ou criticando os discursos que colocam desobedientes enquanto minorias. Aceitam-se comentários.