SEXO E CONSENTIMENTO SEGUNDO SHEILA JEFFREYS

Refletimos sobre a noção de sexo e consentimento expressada por Sheila Jeffreys em “La herejía Lesbiana” (The Lesbian Heresy).
No sistema de supremacia masculina a construção do sexo implica a conotação erótica da subordinação das mulheres e do domínio dos homens, o que Sheila Jeffreys denomina “desejo heterossexual”. As consequências desta construção da sexualidade incluem a violação e o assassinato de mulheres e criaturas, assim como restrições a sua mobilidade, vestimenta, profissões.
A conotação erótica da desigualdade é fundamental para o sistema de supremacia masculina, como diz em Anticlímax é “o azeite que lubrifica a máquina da Supremacia Masculina”.

A ideologia patriarcal tenta convencer as mulheres de que o fato de que os homens as desejem as fazem poderosas, apesar das suas desvantagens sociais. Cicely Hamilton, feminista britanica, acusou aos homens de ter feito hincapie na capacidade sexual da mulher com o fim de satisfazer seu próprio desejo. O sexo proporcionou às mulheres “os meios de sustento”. A teórica lesbiana Monique Wittig demonstrou como a redução das mulheres à categoria de sexo contribuiu na sua opressão:

“A categoria de sexo é o produto da sociedade heterossexual que converte a metade da população em seres sexuais, as mulheres, embora extremadamente visíveis como seres sexuais, permanecem invisíveis como seres sociais".

Consentimento, coartada e invisibilização da violência sexual. Quem são os beneficiários?

Um modelo de sexualidade baseado na idéia de consentimento parte da supremacia masculina. Segundo este modelo, uma pessoa, habitualmente um homem, utiliza sexualmente o corpo de outra pessoa, é um modelo baseado na dominação e na submissão, na atividade e na passividade. Não é mútuo. Não descansa na participação social de ambas as partes, não implica igualdade, nem reciprocidade.

O conceito de consentimento é um instrumento que serve para ocultar a desigualdade existente nas relações heterossexuais. A idéia de consentimento logra que a utilização e o abuso sexual das mulheres não se considerem dano nem infração dos direitos humanos. O consentimento das mulheres que pode obrigá-las a sofrer um coito indesejado ou a aceitar sua função como ajuda masturbatória, está construído atravé das pressões às quais se encontram submetidas: a dependência econômica, o abuso sexual, os maus-tratos, a propaganda acerca da função das mulheres.

Pode haver livre escolha neste contexto?

O problema que supôe considerar irrevogável o consentimento dado ao princípio em uma cena de S/M é comparável com a situação das mulheres que sofrem violações dentro do matrimônio ou em sua relação de pareja.

Caso Operação Spánner, Consentimento das Vítimas

Este caso de sadomasoquismo consensuado, em Gran Bretaña, 1992, foi célebre. A sentença considerou que o consentimento não é motivo de absolvição em um caso de danos corporais sem motivo suficiente quando se infligiam danos ou feridas que atentan contra a saúde e o bem-estar da parte contrária. Princípio irrevogável do consentimento que se chama “não-consentimento consensuado” e sua definição é a seguinte:

O princípio irrevogável de consentimento se chama “não-consentimento consensuado” e sua definição é a seguinte:

“Conscientes en estar aí, conscientes em deixar-lhes fazer o que queiram, segue seeno tua decisão inicial”.

O consentimento se converte em algo que só ao despertar d dia seguinte se pode calibrar, segundo a sensação de incômodo que se tem. Muitas vezes ocorre no SM que não se há dado consentimento ao que mais excita, nem se daria nunca se o pedissem, e apesar de tudo, o fazem. Se fazes coisas que a ambas partes lhes parece bem ao dia seguinte, é bom, se te sentís fodida, não o é.

As que professam o não-consentimento consensuado demonstram uma nada surpreendente falta de solidariedade, de signo anti-feminista, com as mulheres que resultam gravemente feridas na prática SM. Segundo Alix, “qualquer pessoa que seja tão estúpida que não sabe com quem se vai, se merece tudo o que lhe ocurra”. Essa é a teoria da evolução posta na prática.

A perspectiva feminista mantém que as mulheres não são merecedoras de abusos, independente de seu comportamento e de que # responsável de abuso é sempre # abusador#.

Quando a construção do sexo significa a conotação erótica da desigualdade, a idéia de consentimento pode incitar a violência masculina e ao sadomasoquismo. A idéia de consentimento se erige então em um tabu que deve ser transgredido.

A nova indústria do sexo lésbico institucionaliza e mercantiliza a conotação erótica da subordinação das mulheres, revendendo-a como prazerosa e revolucionária.

A pornografia e sexologia masculina entenderam ao lesbianismo como uma mera prática sexual.
Agora que a revolução sexual chegou às lesbianas, contamos com os problemas relacionados com a prática da desigualdade eroticamente conotada ou o desejo heterossexual, as consequencias da opressão das mulheres, o dano provocado pelo abuso sexual, a utilização das mulheres na indústria do sexo e a lesbofobia, facilitaram a matéria prima: as lesbianas autoras e modelos da indústria do sexo, que sofrem maltrato nas festas SM e que atuam diretamente em espetáculo público.

Pornografia e prostituição

A prostituição não é um trabalho como qualquer outro, obedece especificamente à opressão das mulheres. Só pode existir porque uma classe dirigente é capaz de converter em objetos a um grupo de pessoas obrigadas a satisfazer suas necessidades – sem esta necessidade, sem seus privilégios sexuais, sem pobreza, nem exploração, não existiria a prostituição. O estigma que portam as mulheres em situação de prostituição está vinculado ao abuso real que resulta da utilização das mulheres por meio da prostituição. Para poder infrigir um trato infra-humano a um determinado grupo de pessoas faz falta classificá-las de inferiores e justificar deste modo o abuso das mesmas. As lesbianas que desejam usar a outras mulheres mediante a prostituição dispôem de uma reserva de outras mulheres curtidas por homens.

As lesbianas consumidoras de material pornográfico estão utilizando a outras mulheres da indústria sexual, aspiram em última instância ao que elas entendem como privilégio dos homens. Isso inclui a utilização das mulheres mediante a prostituição. A erótica e a pornografia requerem a utilização das mulheres na indústria sexual, é pouco provável que estejam fazendo amor, senão que ganhando seu sustento.

MacKinnon explica que na dinâmica da pornografia tudo aquilo que excita aos homens se considera sexo. Na pornografia, a violência mesma é sexo, a desigualdade é sexo. Sem hierarquia a pornografia não funciona. Sem domínio, sem violência não pode haver excitação sexual. Longe de construir uma nova sexualidade, estão reutilizando a velha, se encontram confinadas aos clises patriarcais.

Gênero desde as teóricas radicais e Gênero desde as teorias lésbicas e gays

Algumas teóricas feministas radicais assinalam que a idéia de gênero tende a ocultar as relações de poder do sistema de supremacia masculina como algo que pode ser superado. A idéia do caráter inevitável do gênero e do falogocentrismo parece a Sheila Jeffreys uma visão pessimista e determinista, concordante com a tendência do pós-modernismo de considerar a militância política e a fé na viabilidade de uma mudança política como uma atitude suspeita.

Em um dos primeiros manifestos feministas lésbicos, “uma lesbiana é a fúria de todas as mulheres condensada até o ponto da explosão”. Se lutava contra o patriarcado, se buscava destruí-lo, sair dos estereotipos de gênero, criar outro tipo de sociedade.

A versão de gênero introduzida pela teoria lesbiana e gay é distinta das teóricas feministas. Se trata de um gênero despolitizado, não associado à violência sexual, à desigualdade econômica, não nomeia aos homens como historicamente perpretadores e beneficiados pela opressão. Reproduzem a categoria binária feminino-masculino, passivo-ativo. Excluem aos homens de análise, o poder se converte em um sentido foucaultiano, em algo que navega por aí em perpétua reconstituição, sem conexão com as pessoas reais.

Cabe perguntar em interesse de quem ou quens se constitui esses regimes de poder do heterossexismo e do falocentrismo.

Nos interpelam que se há consentimento, se é uma escolha a prostituição, não há violência, nos acusam de vitimizar. E Sheila Jeffreys nos permite responder: na conotação erótica da desigualdade. Na supremacia masculina, no prostituinte, aí está a violência.

Redescubrindo o gênero como jogo, apresentando como diversão, subjetivo, essa teoria serve de sustento, é funcional ao sistema patriarcal capitalista, propagandizando a prostituição como escolha e o S/M como jogo. Apresentando como revolucionárias as historicas opressões. A transformação politica se sustitui pela satisfação sexual pessoal mediante a prática S/M. Os artigos periodísticos anunciam e promocionam brinquedos sexuais, vídeos pornográficos, serviço de prostituição… Tudo o que possa dar dinheiro por meio de comercialização e a mercantilização do sexo. Com a cumplicidade da indústria farmacológica, incentivando o uso de estimulantes e hormonios, estimulando os estereotipos, o consumismo, copiando o que se vê na pornografia, provocando excitação, auto-lesões, doenças e condutas criminais.

A sexualidade da crueldade S/M, segundo Sheila Jeffreys, não é inata, nem inevitável: “A experiência da opressão prejudicou nossa capacidade de amar-nos umas a outres com dignidade e amor próprio, e não somente com um intenso sentimento de prazer. Podemos enfrentar a todas as pressões que nos querem fazer amar a bota que nos golpeia enviando-nos de volta à submissão. Podemos optar por não manter uma relação amorosa com nossos opressores. Podemos escolher uma sexualidade que não participa da nossa opressão, senão da nossa politica de resistência”.

O S/M, o sistema prostituinte, os violadores, para justificar-se manipulam politicamente a noção de consentimento. A idéia de que alguém possa buscar deliberadamente o abuso e a degradação é muito facilmente extrapolável à justificação dos sistemas políticos opressivos. Por consiguinte, o princípio político básico do S/M e da prostituição como escolha contradiz nossas lutas abolicionista do sistema prostituinte e de erradicação do abuso sexual infantil.
Lutamos por uma sociedade baseada no direito de todas as pessoas à dignidade, a igualdade, o amor próprio e à autonomia.

Raquel Disenfeld