Mestiçagem ou embranquecimento: definições de nacionalidade na América Latina e Caribe

OCHY CURIEL

Na América Latina e Caribe, a mestiçagem foi fundamental para a definição das identidades nacionais. Mas mais que um reconhecimento das misturas raciais e culturais (européia, indígena e negra), converteu-se em uma ideologia baseada na hegemonização e muitas vezes também, vinculada a uma ideia de embranquecimento e de “melhoramento da raça”. Como ideia nacionalista e racista, esta ideologia significou a negação de grandes populações negras e indígenas e o ocultamento do racismo do qual eram vítimas, em defesa da suposta democracia racial como matriz civilizatória das nações latino americanas. Embora a mestiçagem tenha uma ruptura com o passado colonial, marcou hierarquias raciais e étnicas (Wade, 2003; Chavez e Zambrano, 2006). .
A pesquisadora Breny Mendoza (2001), feminista de nacionalidade hondurenha, introduz a heterossexualidade nas análises de mestiçagem como dispositivo de poder na conformação da sociedade colonial e pós-colonial de Honduras, análises que podemos extrapolar a outras realidades latino-americanas e caribenhas. Mendoza destaca três elementos importantes para analisar tal dispositivo de poder. Primeiro, a vinculação entre conquista, racismo e sexualidade, a partir do qual se explica a invasão dos corpos das mulheres, fundamentalmente através de atos de violação sexual cometidos por homens espanhóis sobre mulheres indígenas ou negras, ou, em alguns casos, o quadro de relações efêmeras. Segundo, o caráter heterossexual e o fator reprodutivo que regulam o regime da família patriarcal e um sistema de castas. Terceiro, o fato de que o sistema de castas conduz a uma condição de deslegitimação e de bastardia do mestiço durante a Colônia, o qual afetou sua masculinidade e identidade até hoje. A análise feita por Mendoza torna-se mais complexa ao tratar dos mestiços que são do sexo feminino: sua sorte foi, provavelmente, muito pior. Outras possibilidades de mestiçagem foram as complexas nomenclaturas criadas na época colonial, como pardas, saltapatrás, zambas de índia, etc, as quais frisavam a importância do sexo (ao invés da raça) de ambos os progenitores na mestiçagem, mas, ademais, é importante frisar as diferenças abismais que podem existir entre ser um homem de pai branco que talvez possa herdar a plantação e ser uma mulata de mãe negra que, sobretudo, é vista como “sexualmente quente”.
Em todo caso, para Mendoza, o conceito de mestiçagem tem sido construído como uma categoria heterossexual, pois, implicou o produto híbrido da relação entre o espanhol e a mulher indígena, através da apropriação de seus corpos, de sua sexualidade e sua força de trabalho. Colocou, ademais, como as relações homossexuais, em tempos de conquista e da sociedade colonial, foram silenciadas e eram consideradas irrelevantes na noção de mestiçagem porque não eram “realmente ameaçadoras” à pirâmide social. Por outro lado, várias fontes frisam, ao contrário, que a suposta homossexualidade (e a luxúria no geral) dos/das nativos/as foi denunciada com horror, em outros pela Igreja ou a Santa Inquisição, como uma maneira de apresentar os povos colonizados e escravos como imorais, pecadores e, portanto, merecedores de sua sorte.
Breny Mendoza coloca certamente que não havia espaço para o mestiço-feminino, nem para a indígena, a negra ou a mulata. As mulheres foram suprimidas ou representadas como “o repouso do guerreiro”, ausentes de sua subjetividade, sempre dadas como mães, irmãs, avós ou amantes solidárias, não como entes ativos da vida pública (Mendoza, 2001).
A construção da identidade nacional também se organizou sobre bases políticas nacionais de assimilação ou embranquecimento, quando “o índio” ou “o negro” se converteu em um “problema” sob o argumento, segundo o qual, sua permanência significava o atraso. Se bem que havia um reconhecimento da nacionalidade dos/as indígenas (jus soli) por terem nascido no território, no plano jurídico, social e político estavam ausentes, sempre colocados no passado e invisíveis na contemporaneidade. Enquanto a gente negra, a nacionalidade lhes era frequentemente negada, pois eram dados primeiro como simples possessões dos seus amos e logo como estrangeiros e estrangeiras.
A construção nacional também implicou políticas de embranquecimento decididas a facilitar a imigração massiva de pessoas europeias. O jus soli foi considerado como um potencial para favorecer estas migrações para, supostamente, resolver o problema da “desolação” dos territórios, mas era mais que tudo, uma política racista do Estado. Entre o final do século XIX e metade do século XX, embora houvesse uma ampla reserva de mão de obra indígena e negra, não se aproveitava dela sob o argumento de que não contribuiria ao desenvolvimento, ao mesmo tempo em que se promovia a nacionalidade a migrantes europeus e europeias para “melhorar a raça americana” (Euraque, 1996).
Na Colômbia, a nacionalidade como fato político atravessou processos similares ao resto das repúblicas americanas. A classificação entre “selvagens e civilizados” marcou a ideia de nacionalidade, baseada numa noção liberal positivista do século XIX. Negou-se a população indígena e negra, ao mesmo tempo em que se ressaltou a capacidade do “mestiço” (e em menor escala, da mestiça) para dar dinâmica à nação colombiana e de levá-la ao progresso. Assim, se reforçava uma sociedade hierarquizada, o que se expressa nos textos constitucionais. A Constituição Política de 1886, por exemplo, definia como cidadãos nacionais os homens maiores de vinte e um anos.
Tudo isto vai estruturando o imaginário da formação da Nação e da nacionalidade, visão que começou a mudar no século XX, na década de 40, quando estudos antropológicos e históricos passaram a serem motores importantes destas mudanças (Suàrez, 2005).
Anteriormente, indiquei que a nacionalidade não apenas foi um fato jurídico, mas social e, sobretudo, político, que vem demarcando quem pode ou não pertencer à nação.