Separatismo tem sido uma decisão simultaneamente complexa e simples para mim. Me defino como uma Lésbica Preta Separatista porque essa é uma descrição acurada, mas essa descrição também expressa a complexidade da minha decisão de aderir ao separatismo enquanto uma política pessoal.

Minhas primeiras experiências com separatismo foram através de vários contextos Pretos, por exemplo nacionalismos Pretos e organizações só para Pretos. O separatismo pareceu logicamente ser o primeiro passo conceitual para uma sobrevivência significativa. A partir de então e até hoje sigo tendo essa visão de que Afro-Americanos vivem em constante ameaça e de que vai continuar sendo essa a situação. A agenda de morte que os e.u.a. planejaram para nós é direcionada contra todo um povo e afeta cada faceta da nossa vida. O separatismo enquanto povo parecia ser a única ação que proveria uma possibilidade de cura e de planejamento-ação e de criação. Dados atuais a respeito do status dos Afro-Americanos nos e.u.a. não mudaram minha opinião.

Entre os anos 1967 e 1976, houve um aumento de 246% nas matrículas de estudantes Pretos em universidades. (1) O aumento foi de 6% entre 1976 e 1982. Agora está tudo virtualmente parado. Nos últimos 40 anos, a taxa de desemprego de Afro-Americanos é o dobro da taxa de desemprego dos brancos. A renda média de uma família Preta é $13,598, o que significa 56% da renda de uma família branca, que é de $24, 603. A razão declinou; em 1969 a renda de uma família Preta era 61% da renda de uma família branca. A renda de 2/3 das famílias Pretas depende de múltiplos trabalhadores enquanto essa situação ocorre para apenas metade das famílias brancas. Em 1981 a renda média das famílias Pretas chefiadas por mulheres era de $7510 por ano e há uma projeção de que nos anos 90 a maior parte da famílias Afro-Americanas será sustentada por mulheres. É importante notar que o grupo étnico Afro-Americano será o primeiro em que isso será verdade no país.

Enquanto força de trabalho, mulheres de todas as cores estão concentradas em ocupações mal pagas, dominadas por fêmeas. Por exemplo, em 1982 mais de 50% das trabalhadoras estavam empregadas em apenas 20% das 427 ocupações. Entretanto, é mais provável que mulheres brancas consigam sair de trabalhos dominados por fêmeas. Mulheres Pretas são empregadas 60% das vezes em trabalhos clericais e em grupos ocupacionais de serviços não-domésticos.

Mulheres Pretas tem pouco acesso a meios de sair da pobreza; nascemos em lares pobres e nos mudamos para lares pobres. Não importa muito o que pessoas Pretas façam, o resultado será, na melhor das hipóteses, um sucesso simbólico. Em 1982, pessoas Pretas jovens com idade entre 16 e 24 anos com quatro ou mais anos de faculdade experienciaram uma taxa de 23.9% de desemprego em oposição à de 8.6% que acometeu as pessoas jovens brancas. Então, mesmo se formos à faculdade, isso não significa que trabalharemos. Durante os 125 anos desde o fim da escravidão lícita nesse país, Afro-Americanos continuaram a ser devastados através da escravidão econômica. Mulheres Pretas e crianças com certeza foram e continuam a serem as mais vitimizadas, e muitas dessas Mulheres Pretas são ou estão prestes a se tornarem lésbicas.

Minimamente, o separatismo enquanto política tem tido um significado para mim de se separar do que é destrutivo ao bem estar do separado. Há cansativo número de evidências de que a cultura branca não conduz ao bem estar dos Afro-Americanos, daí a necessidade de separação. Também é óbvio que nossa separação possa ser uma re-ação porque os brancos norte americanos já se separaram de nós em todos os aspectos necessários à sobrevivência.

A Família Preta tem sido o foco de muitos estudos. Com frequência concluiu-se que ela não está em conformidade com a norma do macho como líder da família e todos os outros essencialmente como sua propriedade. A infame doutrina Moynihan disse a todos que a Família Preta era patológica e que a base dessa patologia estava na mulher preta que tinha muita influência – muito a dizer. A imagem de Sapphire (3), em outras palavras, era acurada e sua verdade era um problema. Aceitamos esse julgamento sobre nós, assim como aceitamos tantos outros de pessoas leigas, e homens Pretos começaram a falar sobre serem castrados por mulheres Pretas. Eles não poderiam ser homens porque nós não seríamos mulheres adequadas, i.e., como a imagem estereotipada da mulher branca gentil, ociosa e totalmente subserviente. Organizações nacionalistas Pretas dos anos 70 foram notoriamente misóginas e perigosas às mulheres Pretas e desleais às tradições que pretendiam reinstituir. Mulheres pretas se tornaram o inimigo no sentido de que nós não nos conformávamos a um ideal que era falso à cultura que era sua raiz. Nos últimos anos, com alguma frequência, relações conflituosas entre mulheres Pretas e homens Pretos têm sido a preocupação das publicações Pretas. A questão é falsa e discutível, entretanto, porque homens Pretos têm sido bastante honestos em relação à definição deles de liberdade. Eles querem “o que o homem branco tem,” i.e., uma posição no heteropatriarcado. Uma expressão mais reveladora dessa questão está presente na escolha das companheiras feita pelos homens Pretos privilegiados. O casamento interracial é maior entre os homens Pretos com ensino superior e ocorre duas vezes mais do que para as mulheres Pretas. Interessantemente, quando a Noiva é uma mulher Preta, o noivo será preto em 98% das vezes. Então, muitas mulheres Pretas podem esperar hoje: rejeição como mulher por homens Pretos, status de mãe solteira, pobreza, subemprego ou desemprego, e pouco, se algum, recurso para lutar contra a violência masculina. Kalaamu Ya Salaam, que escreveu um artigo entitulado, “Nós Homens Pretos Devemos Parar de Estuprar Nossas Mulheres,” declarou publicamente o que muitas de nós já sabíamos: as mulheres pretas precisam, desesperadamente, se unir como mulheres, para ajudarmos umas as outras, porque não se pode esperar nada de positivo vindo dos homens Pretos. Ele estava recomendando o separatismo, reconhecendo que o homem Preto já havia se separado da mulher preta. Eu ainda gostaria de argumentar que as mulheres Pretas devem se separar, não apenas pela nossa saúde e bem-estar, mas também por qualquer chance de sucesso lutando contra o racismo. Acredito que as mulheres Pretas querem ser livres e que o homem Preto quer ser um homem branco. Essa diferença fundamental de pretenções, irá nos derrotar a não ser que reconheçamos e ajamos de acordo, i.e., separarmos como mulheres e definirmos por nós mesmas as condições para nossa libertação.

O reconhecimento de que homens Pretos estavam dispostos a participar do ódio às mulheres simplificou para mim o conhecimento da verdade do separatismo lésbico. A lógica era simples: se as mulheres que escolhem servir aos homens são odiadas enquanto mulheres, então as mulheres que escolhem não servir aos homens devem ser duplamente odiadas. Mas, acompanhando meu compromisso com o separatismo lésbico havia uma complexidade que me assombrava. Como separatista lésbica, estou politicamente engajada com lésbicas brancas que, enquanto membras da cultura branca, foram definidas por mim como inimigas da minha cultura.

Porque eu estou completamente comprometida com as mulheres Pretas, inicialmente o apelo das lésbicas não foi possível para mim: nem todas as mulheres Pretas são lésbicas, mas nós somos todas vítimas do racismo. A tragédia nas vidas das mulheres Pretas é que o racismo rouba de nós o significado da autodeterminação enquanto mulheres e lésbicas. Então, o zelo e a clareza que torna minhas colegas e amigas separatistas brancas aptas a se reunirem não é possível para mim. A maior parte das minhas conhecidas lésbicas Pretas estão desempregadas ou em sub-empregos porque são Pretas e fêmeas. Muitas são mães solteiras. Para nós, a experiência que limita nossa autonomia pessoal é a dependência econômica importada pelo racismo.

Mulheres Pretas estão mais que superficialmente cientes do ódio às mulheres dos homens Pretos. Ele é para a maioria de nós uma experiência bastante pessoal e palpável. Mas, talvez nós não queiramos assumir isso na presença de mulheres brancas. O racismo constrói barreiras de suspeita e desconfiança. Eu, assim como muitas outras, vi mulheres brancas cuspirem em pequenas crianças Pretas que integravam escolas. Eu, assim como muitas outras, vi o ódio intenso de mulheres brancas por nós. Eu sei que famílias brancas faziam piquenique enquanto famílias Pretas eram linchadas. Mulheres Pretas e brancas tem um histórico de relação conflituosa nessa nação e há poucas razões para qualquer uma de nós acreditar que nossos esforços unidos enquanto mulheres e lésbicas resultará em algo mais que tokenismo para as mulheres Pretas lésbicas. Mas, eu continuo disposta a correr o risco e a entender profundamente o motivo de muitas de minhas irmãs não terem essa disposição.

Para mim, o risco é necessário porque eu não vejo a opressão como uma série de eventos discretos, mas sim como um processo cujo sucesso depende dos princípios de dividir e conquistar. Eu não posso escolher uma parte de mim sobre a outra. Eu não posso aceitar liberdade como uma pessoa Preta e seu oposto como mulher. Eu não posso aceitar a libertação como mulher e a opressão como lésbica. Eu sou uma inteira – uma unidade – e devo poder viver como essa unidade tripartida sendo capaz de expressar tudo de mim.

O heteropatriarcado oprime e separatistas lésbicas, ao meu ver, construíram a análise mais clara e acurada de seus métodos e objetivo. Mas a parte Africana da minha história enquanto Afro-Americana precede o poder e a dominância do heteropatriarcado. A misoginia nem sempre foi um aspecto essencial de minha cultura e eu freqüentemente me arrepio com a generalização que afirma que todas as culturas em todos os tempos têm sido culpadas de odiar as mulheres. Muitas lésbicas de cor estão a par da origem dese ódio e sabem que o ódio às mulheres não começou em nossas culturas. É importante para mim saber a verdade sobre quem eu sou e como e por que eu vivo como vivo.

A história do contato entre brancos e Pretos sempre foi condicionada pelo ódio dos brancos à pele preta. Esse ódio ainda é presente e infiltra minha vida como lésbica. Mas a falha em reconhecer a verdade do separatismo lésbico não fará o racismo desaparecer ou fortalecerá a luta contra esse.

Em suma, eu vivo com meus separatismos porque eles são respostas necessárias às separações que já ocorreram. Eu não os acho contraditórios porque eu não acho que meu ser esteja em contradição.

Notas
(1) Todos os dados nesse artigo vêm de The Black Scholar v. 17 #5 (Sept/Oct 1986).

Comentários de Actinidia Deliciosa:
(2) Para acessar The Black Scholar: www.jstor.org/journal/blackscholar?deca...
(3) Sapphire foi uma personagem da comédia Amos ’n’ Andy, e representa um estereótipo da mulher que queria tomar o lugar do homem na casa. Retirado de: https://www.geledes.org.br/sapphire-mulher-negra-raivosa-reconhecendo-estereotipos-racistas-internacionais-parte-ix/
(4) O Título “Separação Enegrecida” foi uma sugestão de Mala. Mala comentou assim: “Minha sugestão é que o título fique como ‘Separação Enegrecida’. Separation in Black seria algo assim, uma separação negra, como separatismo negro era outro movimento nesta época, o nacionalismo negro, eu deixaria com esse sentido de ‘enegrecer o separatismo’.”
(5) Esta tradução foi feita por Hyla, Mala e Actinidia Deliciosa.

Referências:
1) Imagem de Jacqueline Anderson: https://listening2lesbians.com/tag/jackie-anderson/