Organizado de forma autônoma e colaborativa, aconteceu nos dias 8 a 10 de novembro de 2019 o I Festival de Filme Anarquista de Belo Horizonte. A ideia nasceu do desejo de reunir e compartilhar registros que narram histórias – documentais ou ficcionais – de resistência popular, lutas anticapitalistas e de conectar pessoas que buscam a construção de novas formas de viver. O evento foi conduzido e sediado pela Kasa Invisível, uma ocupação localizada no centro da cidade e que desde 2013 carrega a proposta de ser um ponto de resistência cultural e política. O espaço abriga atividades diversas, como: cursos, debates, oficinas, ensaio teatrais, grupos de estudos, espaço para reuniões e cineclubes. Além disso, ainda mantém estruturas que funcionam continuamente, como biblioteca, cozinha comum, ateliê de serigrafia e uma cooperativa de alimentação vegana. Os imóveis possuem um grande valor histórico e foram tombados como patrimônio cultural de Belo Horizonte graças a um processo conduzido por arquitetas, estudantes e membros da própria Kasa.

Escrever esse relato em meio ao período de isolamento social – medida adotada como tentativa de contenção da pandemia do novo coronavírus que atinge todo o mundo – e resgatar memórias desses dias tão calorosos é uma oportunidade de aquecer o coração e relembrar os vários momentos de trocas e encontros que aconteceram na Kasa nos últimos anos. E esperamos que momentos assim possam voltar a acontecer tão logo seja seguro.

Durante os 3 dias do festival foram exibidos ao todo 31 filmes, entre curtas, médias e longas metragens de diversos gêneros e estilos e oferecidas 5 oficinas. Além disso, a programação ainda contou com debates, banquinhas de livros e publicações independentes, comida vegana, festa e muita troca de saberes e experiências entre as centenas de pessoas que passaram pela Kasa naquele fim de semana.

A sessão de abertura do evento, na sexta-feira, foi uma homenagem ao amigo e diretor Marcelo Reis. Na exibição do filme ‘No Vermelho’ estiveram reunidos familiares, amigos e alguns dos protagonistas do longa-metragem documental, que mostra um pouco do dia-a-dia das pessoas que se apropriam dos semáforos da cidade, transformando esse mecanismo de controle do trânsito em um local de encontro e sustento.

O sábado começou logo cedo com oficinas de tipografia, criação de personagens, uma caçada fotográfica e a oficina mediada pelo Coletivo Revolucione, que trouxe a ousada proposta de pensar e executar um filme durante o Festival. No decorrer do dia foram construídos importantes debates entre as sessões dos filmes: O Coletivo Beagá Invisível trouxe a discussão sobre a cidade das pessoas em situação de rua, que foi seguida pela roda de conversa sobre a potente e inspiradora revolução curda em Rojava, no oriente médio. E finalizando os debates do dia, tivemos ainda a presença de integrantes do Quilombo Manzo e Quilombo Souza que trouxeram suas experiências de resistência e luta pela preservação seus modos de vida e territorialidades. O dia acabou por aí, mas a noite ainda continuou com uma super festa organizada pelo Coletivo Trem Base que encerrou o segundo dia com muita música!

No domingo, tivemos a continuação das oficinas, feira, debates e exibições. A sessão ‘Made in Texas’ foi muito especial pois exibiu alguns filmes sobre movimentos que aconteceram em Belo Horizonte no início dos anos 2000 – como o ‘Domingo Nove e Meia’, um encontro mensal que aconteceu de 2007 a 2010 e tinha como propósito a apropriação do espaço público com ideais e práticas autonomistas e libertários – que foram muito importantes para a formação de pessoas que hoje fazem parte do coletivo que compõe a Kasa e também muitos outros movimentos da cidade. Ao fim do dia, foram exibidos dois filmes que foram produzidos ali mesmo durante o próprio Festival: ‘Azul ’, do Revolucine e ‘ver nome’ resultado da oficina ‘Caçada Fotográfica’. O terceiro e último dia do festival foi encerrado com a exibição do filme Baronesa, da diretora belorizontina Juliana Antunes, que narra o dia a dia de duas vizinhas e amigas que moram na periferia da cidade e que têm em comum a necessidade de se desviar dos perigos da guerra do tráfico e a estratégia para evitar as tragédias trazidas como consequência.

Foram três dias incríveis e que certamente não teriam sido como foram se não fossem as diversas pessoas envolvidas e que colaboraram de muitas formas nessa rede de apoio mútuo para que o evento acontecesse. Cada uma das pessoas que participaram, seja enviando seu filme, mediando uma oficina, oferecendo um lugar na sua casa para receber visitantes de outras cidades que viriam para o encontro, desenhando faixas, respondendo e-mails, viajando centenas de quilômetros, expondo ideias, convidando mais pessoas, assistindo um filme, criando artes, foram essenciais para que tudo acontecesse como foi e cada uma delas é essencial para a construção do mundo que queremos e acreditamos.

A Kasa Invisível é um projeto construído por muitas mãos e movida pelo desejo coletivo de que ela continue sendo um local de encontro e difusão de conhecimentos sempre aberto e gratuito a toda comunidade. Esperamos que o Festival do Filme Anarquista possa se tornar uma atividade recorrente na agenda da cidade e desejamos que cada vez mais pessoas se inspirem nesse tipo de ação para construir ou integrar outros espaços e iniciativas que promovam os encontro, confabulação e entretenimento livre e gratuito a todas as pessoas.

Alguns dos filmes exibidos durante o Festival do Filme Anarquista podem ser encontrados livremente na internet, fizemos um compilado dos links que pode ser acessado aqui: we.riseup.net/festfilmesbh.

Indicamos também a Libreflix, uma plataforma de streaming aberta e colaborativa que reúne produções audiovisuais independentes, de livre exibição, que pode ser acessada neste link: libreflix.org