Se assumindo sapatão e mestiça - Naomi LittleBear Morena

Littlebear Morena, N. (1988). Coming Out Queer and Brown. Em Hoagland, S.L. & Penelope , J. (Ed.) For Lesbians Only: A Separatist Anthology. Londres: Onlywomen Press, pp. 345-347. Retirado de: http://www.feminist-reprise.org/docs/morena.html

Se assumindo sapatão (1) e mestiça (2) por Naomi Littlebear Morena

baixe o pdf


Clara: Agora por que tanta gente me pergunta, ‘Por que não há muitas Lésbicas Latinas envolvidas com o movimento feminista?’ Uma coisa é real, se eu estivesse no “barrio” (bairros nos Estados Unidos da América onde moram muitas latinas) agora teria medo de me assumir. Poucas culturas que conheço aprovam que suas crianças sejam cuir, especialmente as Católicas, ainda sim eu conheci muitas sapatonas presbiterianas assumidas.

No bairro você tem irmãos e irmãs heterossexuais reproduzindo aquela famosa ideia de que o movimento das mulheres é uma viagem das mulheres brancas cheias de pêlos no suvaco e das caminhoneiras e vadias mal comidas que não se dão ao respeito, uma 100% Mexicana não fará parte desse movimento a não ser que não se importe de ser chamada de vendida; e se essa humilhação não bastar para fazer você se manter dentro do armário, agradeça a Virgem Maria pela culpa que carregará. ‘A Raça perecerá,’ se você não estiver lá pra ter meia dúzia de bebês e quem quer ter esse peso na consciência? O único jeito de sair é dando as mãos ao seu homem para juntos batalharem contra os demônios brancos da opressão.

Vamos encarar um fato, se você tiver grana, é mais fácil sair da cidade, a não ser que tenha a sorte de viver em uma cidade grande; eu não tive. eu acabei aqui por acidente; eu pensava que Oregon era tipo Novo Mexico. O que eu encontrei quando dei de cara com a comunidade das mulheres? Um bando de mulheres brancas de um lado e esquerdo-machos heterossexuais (ex-namorados) do outro.

Bem vinda Irmã de Cor (zona leste de Los Angeles corrigi). Então você quer ser uma lésbica? Não precisa pensar nisso, é uma questão entre quatro paredes. Primeiro irmã mestiça nos deixe dizer que estamos aqui para apoiar você e seus irmãos marrons na luta contra o imperialismo racista. Aliás você fala espanhol.’ Olha eu disse, eu quero fazer C.R. e sair do armário como uma mestiça orgulhosa sabe, pegar pesado com as verdades sobre o macho mestiça no barrio loco, e eu quero um adesivo de parachoque e a mãe natureza é um bottom lésbico. Bom esqueça essas merdas. Esse é seu script irmã e é assim que você deve lê-lo: ‘Mulher de Cor se torna Mascote em Reuniões, Mulher de Cor conhece Karl Marx, Mulher de Cor se torna politicamente correta, Mulher de Cor decide a quem boicotar e a quem chamar de racista na comunidade, Mulher de Cor trazida para a sua vida direto do Hospital Dammasch State, Filha da Mulher de Cor Parte II’ e não parece que só as outras mulheres de cor que você conhece são marxistas, comunistas ou de classe média.

Há encorajamento para ‘fazer papel’ de minoria; você ganhará muito mais reconhecimento na comunidade, sem falar em respeito e talvez medo. E quando eu não fiz amizade com Maria Gomez, a única outra Chicana na cidade porque ela era muito heterossexual e arrogante sobre o seu namorado ter se sentido oprimido quando assistia a um show de Rap de uma Grupa Lésbica na biblioteca das mulheres, elas me chamaram de excludente. Já é suficientemente ruim que elas pensem que todas nós somos parentes distantes sem assumirem que todas a mulheres de cor pensem igual e devem ser amigas. Às minhas irmãs eu digo, ou vocês têm memória curta ou vocês não têm memória. E para as irmãs brancas eu digo que meus irmãos oprimidos de cor me atropelariam com seus chevrolets se soubessem que sou sapatão.

Não digam que eu não entendo ‘os pobres jovens homens, famintos por poder pessoal; dê uma olhada no que o homem branco fez com todo esse poder individual. Você ousa dizer que pessoas de outras raças não são ambiciosas? Atrás de cada jovem homem revoltado, independente da cor, há uma mulher reprimida sem poder nenhum. Ah tudo bem zoar o homem branco; todo mundo desconta no homem branco, até os homens brancos. É quase uma mania. Lésbicas brancas podem zoar o opressor e denunciar sua classe mas, para as mulheres marrons, denunciar seus irmãos/ opressores é um crime político. Clara: eu fico brava com essa injustiça, não faz muito tempo que eu lembro que esses caras estavam presentes em minha vida, me seguiam nas ruas, se aproximavam para dizer ’Opa, rebola mas não quebra,’ meio quarteirão depois com assobios e assédios ‘Ai gata, eu tenho um negócio que pode rachar uma mulher no meio.’ Pois é cuzão, se eu tivesse uma tocha de propano eu fritaria seus ovos rancheiros.

Mas você sabe que eu nunca disse isso muito alto e continuo não podendo fazê-lo ou alguém poderia dizer que sou racista ou que você deve estar saindo muito com essas odiadoras de homens que querem matar pequenos garotos e dios mio como eu me envolvi em toda essa ridicularização, me levem a um confessionário. acho que voltarei a ser católica.

É bem mais fácil chamar alguém de racista do que, para uma chicana, chamar seu ‘irmão’ de machista babaca. Merdas burocráticas, mas é o que funciona; nós nos mantemos seguras e fora do caminho dentro de um armário duplo.

Eu concordo, eu e meu ‘irmão’ fomos ferrados pelo sistema, mas quando ele me azucrina ele é o sistema e quando liberais brancos começam a me dizer ‘pegue isso mas não chacoalhe isso’ eles são o sistema também.

*Comentários da tradutora Actinidia:
(1) O título do artigo poderia ser também “Se assumindo cuir e marrom”, porém Mala (2018) propôs que fosse traduzido como “Se assumindo sapatão e mestiça” já que, no momento em que o texto foi escrito, a palavra “cuir” significava “pessoa não-hetero”, “fora do padrão”. Só atualmente, “cuir” virou sinônimo da “ideologia queer”. Aqui se optou por usar a palavra “sapatão”, que descreve uma lésbica fora do padrão heterossexual obrigatório.
(2) Mala (2018) sugeriu que “brown” poderia ser traduzido como “mestiça”, por ser um termo que era utilizado (por quem?) na América do Norte para designar a mulher não-branca porém não-negra, de outros grupos étnicos, no caso a autora, como mulher latina nos EUA.

Referências:
1) Imagem de Naomi Littlebear Martinez ou Naomi Littlebear Morena: www.discogs.com/Naomi-Littlebear-Morena...

 

valeeeu * _ *

 
 

A questão era a conotação da palavra queer naquele momento, q era a pessoa não-hetero, fora do padrão… agora virou sinônimo da ideologia queer. Tivemos esse dilema na tradução do Gender Trouble: The Butches também.

 
 

Eu traduziria algo tipo: Se assumindo sapatão e mestiça. E colocaria uma nota de rodapé, explicando que marrom se referia a mulher não-branca porém não-negra, de outros grupos etnicos, no caso ela como mulher latina nos EUA, e queer como não-hetero, e que se optou pela palavra sapatão por descrever uma lésbica fora do padrão heteronormativo.

 
 

Valeu, Mala <3

 
 

no doc Angry Wimmin elas mostram como muitas destas minas se renomeavam para rejeitar o sobrenome paterno, tipo Naomi Morena pode ser provavelmente ela se dando um sobrenome.

 
   

documentário: vidéo par ici