Eu vivi uma situação bem interessante recentemente, gostaria de compartilhar essa experiência:
Estava em um grupo de aproximadamente 10 pessoas, tínhamos menos de 30 minutos para fazer uma reunião e decidir alguns pontos importantes que afetariam todo o grupo; por isso eu estava particularmente interessado em ouvir todas as pessoas, e me preocupava especialmente com duas pessoas, que eram muito tímidas e que por isso raramente eram ouvidas nesse coletivo, tanto por nele existir um problema crônico de comunicação (falta do ouvir e atropelos eram muito constantes) quanto pelas reuniões sempre serem breves assim e com periodicidade mensal.
Quando a primeira questão foi apresentada, logo as pessoas que mais dominavam a fala começaram a se posicionar, atropelos e interrupções se sucediam e eu pedi para falar, sugerindo que fosse feita uma rodada, garantindo que todas as pessoas participassem. O grupo aceitou e sugeriu que eu, que já “estava com o palavra”, iniciasse; assim fiz, dei minha opinião, e a pessoa ao meu lado seguiu dando a sua opinião, depois a do lado dela, e depois uma pessoa do outro lado da sala tomou a palavra, ignorando a rodada. Me manifestei salientando isso, aí outra pessoa me acusou de “obssessivo” (por insistir em um ordenamento, a rodada), disse que nem sempre todas tem algo a dizer e foi perguntando uma a uma pessoa “você tem algo a falar? você tem algo a falar?” e assim, obviamente, as pessoas mais introvertidas do grupo nada disseram, respondendo negativamente à pergunta. Eu pedi novamente pra falar, tentei explicar que aquilo não passava nem perto do que eu propus, pois o modelo de rodada não pressupõe que todas tenham algo a dizer, mas cria um cenário aonde aquelas que desejam falar não precisam brigar por esse espaço, pelo contrário, o espaço/momento de fala lhes é oferecido por todas no coletivo. Aparentemente com algumas pessoas contrariadas, o coletivo concordou em fazer a rodada, e como iniciou dessa pessoa que “pulou” a rodada, as pessoas mais tímidas a que me referi ficaram como umas das últimas a se manifestar – eu imaginei, então, que já tendo dito que nada tinham a dizer e ainda depois de tudo que aconteceu iriam apenas passar a sua fala e nada dizer. Felizmente o que aconteceu foi o oposto: tendo o espaço/momento de fala oferecido e não tendo que brigar por ele, essas pessoas não só falaram como adicionaram opiniões muito relevantes para o grupo – foi a primeira vez, mesmo já participando desse coletivo ha quase um ano, que ouvi essas pessoas se manifestando em reuniões, e certamente o grupo todo ganhou com isso se aprendemos a importância de criarmos um ambiente acolhedor e que potencialize a liberdade de todas.
Acredito que esse pequeno exemplo mostra a potência da rodada como uma forma de organizar as falas de forma a mitigar os efeitos da hierarquia sobre o grupo, principalmente nessas relações de poder que as pessoas tendem a ignorar e naturalizar.
