Caliban y la Bruja

tradução para o espanhol do grupo Traficantes de Sueños
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Updated by ell 2016-11-18
 

Palestra com Silvia Federici na UNAM

Minhas notas sobre a palestra:

Calibán y la bruja
Silvia Federici

Palestra realizada na UNAM: youtu.be/64bHImg-DKQ
Publicada no youtube em 2014 (provavelmente é de outubro de 2013)

Calibán y la bruja é um livro de história que trata dos séculos XV ao XVIII, os mais importantes para a transição da Idade Média para o Capitalismo.

É fruto dos debates do movimento feminista dos anos 1970, principalmente da primeira fase, por ser a mais radical.

O grande debate da época era sobre o trabalho doméstico, o trabalho de reprodução. A tese era que a falta de poder e a posição inferior da mulher no capitalismo estavam ligados ao tipo de trabalho feito por elas. A teoria marxista explicava que isso era devido a que o trabalho que as mulheres realizavam não era produtivo, não era remunerado, não gerava capital, era pré-capitalista.

Nossa tese era que, não apenas o trabalho das mulheres é marginal, mas ao mesmo tempo é o mais importante, pois ele produz a força de trabalho, faz com que as pessoas possam trabalhar. Ele foi e continua sendo um trabalho fundamental do capitalismo, pilar central da acumulação. Esse trabalho é invisibilizado porque o capitalismo criou uma sociedade onde trabalho é sinônimo de salário. Portanto, onde não há salário, não há trabalho. Tivemos que reescrever tudo isso.

Pesquisamos o capitalismo não como o dinheiro em si, mas como forma de organização, sobretudo como forma de criação de hierarquias, como formas de criar divisões no proletariado.

O capitalismo não é apenas um sistema construído em cima de um imenso trabalho não pago, mas está estruturado sobre a desvalorização do trabalho de reprodução.

A partir de nossa atividade feminista, ao olharmos para a escravidão, concluímos também que existiam relações muito próximas entre racismo e sexismo. Ambas são necessárias e estruturais para o capitalismo, e fazem com que o custo de trabalho se mantenha sempre baixo.

Eu acreditava que o capitalismo tinha criado seu próprio tipo de trabalho reprodutivo. Me perguntava: o capitalismo mudou a situação das mulheres? Quando, como? Por isso fui até a idade média. Tinha que entender a gênese do capitalismo para entender os sitemas de exploração. E eu não podia fazer isso lendo Marx. Em O Capital, o trabalho de reprodução como descrito lá é inaceitável.

Depois do meu trabalho, ainda há muita coisa para descobrir. Espero instigar as pessoas a irem além, principalmente na américa latina.

Em minha pesquisa, minha primeira descoberta foi que o capitalismo não surgiu de um processo evolutivo. Ele nasceu como contra-revolução para destruir toda uma série de lutas sociais medievais contra o poder feudal. Em certo momento, essas revoltas colocaram em xeque o sistema feudal. Foi uma crise do poder sobre o trabalho. Nasceu de uma série de estratégias utilizadas pela classe domintante, os latifuindiários e mercadores, que adotaram para recuperar seu poder.

Primeira estratégia: conquista, a expansão colonial para a América. A riqueza roubada estimulou um mercado na europa.

Segunda: a escravidão.

Terceira: expulsão dos campesinos das terras comuns na europa.

Isso já estava em Marx. Foi a acumulação original.

Mas eu me perguntava: onde estão as mulheres? O que aconteceu com elas na colonização, na escravidão e na explusão do campesinato. Essas perguntas foram muito importantes para entender a transição para o capitalismo.

Separação: produção de coisas para o mercado e reprodução para manutenção da vida.

Numa economia de subsistência não há separação entre produção e reprodução. Só existe essa separação quando produzo para vender, para o mercado.

Podemos verificar historicamente que com o advento do capitalismo houve uma separação sexual muito visível do trabalho. As mulheres foram expulsas ao longo dos séculos XVI e XVII de vários tipos de trabalhos. E aí houve um grande empobrecimento delas. Ocorre um empobrecimento geral da Europa no início do capitalismo. O trabalho assalariado pagava muito pouco, haviam mendigos por toda parte, as pessoas não tinham mais a terra, os metais preciosos da américa desvalorizam a moeda fazendo os preços subirem, a pobreza aumentava. A prostituição virou um trabalho massivo.

Existem provas históricas que o capitalismo desvalorizou muito o trabalho reprodutivo.

Há uma transformação da ideia do próprio corpo no capitalismo. É o primeiro sistema que vê o trabalho como o centro da riqueza social. Ele se preocupou, mais que qualquer outro sistema, em disciplinar a força de trabalho. Para isso, a caça às bruxas é importante nesse disciplinamento do corpo proletário.

É daí que vem o nome do livro. Calibán é um personagem da peça Tempestade, de Shakespeare. Dizem que calibaán veio da palavra canibal. Tomei-o como símbolo do corpo que deveria ser colonizado e dominado, destituído de vontade prórpia.

Nesse período, em vários países, foram proibidas as festas, ou seja, a socialização, para evitar a revolta.

No livro, a caça às bruxas ocupa um lugar central. O feminismo começou a estudar a história das bruxas, que foi um grande extermínio público de mulheres. Não existe antescedentes disso na história, com acusações as mais fantásticas. Temos que lembrar que o início da sociedade capitalista começa com um extermínio de mulheres, elas eram o inimigo da humanidade.

E o que mais estava acontecendo no resto da sociedade, nas leis, mudanças econômicos, na vida cotidiana? Queria entender por que faziam tais tipos de acusações contra as mulheres, principalmente as mais velhas.

Tudo isso constitui o disciplinamento do “novo” corpo. Essa operação tinha várias funções, mas acima de tudo de fazer desaparecer todas essas formas de vida cotidiana, os conhecimentos, conceitos, que não combinavam com o capitalismo, que barravam o capitalismo.

É interessante ver que uma das acusações mais recorrentes era de que as bruxas matavam as crianças (e também deixavam os homens impotentes). Elas são apresentadas como canibais! O poder que as mulheres tinham sobre a procriação foi-lhes retirado e invertido.

A teoria básica dos mercantilista da época dizia que quanto mais gente (força de trabalho), mais riqueza.

Essa apropriação da procriação por parte dos Estados, que era controlada pelas mulheres, torna-as máquinas de produção de força de trabalho. Nesse período, nasce a democracia, o censo, a demografia.

Disciplinar a sexualidade para que a mulher seja procriadora. E também, a sexualidade passa a subverter a disciplina do trabalho.

As mulheres eram vistas como seres fracos mentalmente, sujeitas a serem tentadas pelo diabo e por isso deviam estar submetidas ao controle masculino, dentro na família e na sociedade.

Minha tese no livro era que a caça às bruxas foi a busca pela destruição de modos variados de vida. Podemos comparar com a guerra contra as drogas, contra o terrorismo atualmente. As acusações eram tão amplas que serviam para criminalizar qualquer coisa. E ela serviu especificamente para estruturar uma sociedade onde as mulheres estariam cada vez mais invisíveis e desvalorizadas. E ainda, com o salário, o Estado dá poderes aos homens sobre as mulheres.

Imaginem três séculos de humilhação de mulheres, de uma propaganda que dizia que as mulheres castravam os homens, comiam crianças, voavam, desapareciam, fornicavam com o demônio.

Quando lemos as acusações e as descrições das caças às bruxas, notamos que aqueles eram séculos de muita fome, de despossuídos, de ricos com muito medo de pobres. Principalmente das idosas. Eram elas que cuidavam do povo, tinham o conhecimento das ervas e dos remédios. E também é aí que nasce a classe médica, formada por homens.

A partir daí, cria-se uma nova imagem da mulher. A mulher da idade média é muito ativa, eloquente, cooperativa. A mulher do capitalismo tem que obedecer, ser silenciosa, assexuada, casta.

Essa máquina de extermínio, foi exportada para a américa: méxico e região andina. Na américa, os homens também foram acusados e mortos, como forma de minar a resistência aos colonizadores. Mas o foco sempre foi as mulheres.

Há muita literatura importante sobre a resistência de mulheres na região andina durante a colonização. Por isso perseguiam-nas muito.

Existe relações entre a caça de bruxas na europa e na américa. No século XVI e XVII já se vê uma visão capitalista internacional. O conhecimento de perseguição adquirido numa região é usado em outra. Os missionários eram intelectuais e viajavam muito. Tiveram um papel muito importante na criação desse ponto de vista capitalista, para perseguir e disciplinar.

Um dos missionários disse: o aumento de bruxas na europa era culpa das américas, por causa dos demônios que vieram do novo continente.

Cria-se também uma imagem internacionalizada do inimigo, é o canibal, um emissário do demônio, que tem inveja dos ricos, que não respeita as leis. Ao longo do tempo, há uma associação entre as imagens das populações colonizadas e bruxas.

Acredito que hoje vivemos uma nova acumulação original, como no início do capitalismo. O neoliberalismo tem sido um novo disciplinamento. Todos sofrem, mas principalmente as mulheres. Em muitos países africanos, na índia, no nepal, milhares de mulheres são acusadas de serem bruxas. A caça às bruxas está voltando. Mas, no entanto, não se está dando atenção a isso. Em torno de 30 mil mulheres na áfrica foram mortas acusadas de bruxaria.

 
   

Livro em português:
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